segunda-feira, 2 de setembro de 2013

REAÇÃO POPULAR

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O Presidente Figueiredo ampliava a distensão iniciada em 74. A mobilização
da sociedade civil, vinda da elite, chegava à classe média e alcançava
tanto camadas populares menos favorecidas quanto movimentos
sindicais. Uma das primeiras categorias a se organizar foi a dos professores,
constituindo, em 79, seu sindicato, o Sind-UTE. Em Minas, na
manhã de vinte e nove de maio de 79, cerca de duas mil professoras em
greve se concentravam em frente ao Palácio da Liberdade, para expor ao
interventor Francelino Pereira suas reivindicações. Foram cercadas por
policiais que investiram contra elas, com bombas de gás lacrimogênio e
jatos d’água. Um professor foi preso e várias pessoas feridas. À tarde,
da tribuna da Câmara, o deputado Edgard Amorim Pereira, do MDB, denunciou
aqueles atos brutais de repressão. Na mesma sessão, Genival, à
época líder do MDB, comunicou à Casa que a bancada mineira do partido
lançaria nota de protesto a respeito. Seu teor:
“A bancada mineira do MDB na Câmara Federal tomou conhecimento
hoje, estarrecida, do grande aparato policial movimentado pelo
senhor Francelino Pereira para humilhar e agredir, de forma violenta,
a própria sensibilidade do povo mineiro, hoje traduzida integralmente
no movimento grevista do seu professorado. Nunca, em toda a história,
um movimento reivindicatório contou com tanto apoio popular. Unânime,
Minas se colocou ao lado de seus professores. Conservadora por
natureza e formação, nossa gente, no passado, viu com restrições alguns
movimentos grevistas. Neste, nenhuma ressalva, desde que contou com
o apoio de nossas camadas mais conservadoras. Se antes, no concerto
da nacionalidade, sobressaía a “civitas” mineira, hoje, perplexos, sentimos
que outras unidades da federação nos dão lições de civismo.
Minas, fiel à sua tradição de somente fixar posição, intransigentemente,
nos seus grandes momentos, colocou-se inteira ao lado dos grevistas.
Só quem não percebeu isto foi exatamente o seu formal governador, a

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nós imposto, com o quebrantamento dos nossos valores mais caros.
Não podia ter ele mesmo sensibilidade para esse profundo sentimento
de solidariedade. Faltam-lhe raízes telúricas para penetrar esse sentimento
mineiro.”
(Brasília, 29 de maio de 1979).
O ano de 78 marca o início das greves do operariado. Começam
no ABC paulista e se espalham pelo País, notadamente nas regiões
industrialmente mais desenvolvidas. Em Minas, a primeira paralisação
foi na Companhia Siderúrgica Belgo Mineira – CSBM, usina de
Monlevade. Logo após, na FIAT, Krupp e FMB, município de Betim.
O movimento se caracterizou pela vinculação clara com o trabalhismo
e proposta de nova postura política e social. Intensificou-se
no ano seguinte, com várias paralisações por categorias ou empresas
isoladas, ressaltando-se a dos trabalhadores da construção civil em
Belo Horizonte, a famosa “greve dos peões”, que deveras amedrontou
a classe média. Esta, quando viu aquela peãozada desfilando pela
Afonso Pena, se apavorou. Todo mundo correu com medo, um pandemônio.
A greve fora mal conduzida de início, levando pânico à capital
e a todo o estado, angariando nítida antipatia popular. Francisco
Pizarro, presidente do sindicato, interventor nomeado, não era um
líder, e deixou o comando à deriva. Houvera sido quase perpetuado
no cargo por total desinteresse da classe, afastada praticamente da
política, quando se recusou a participar do “processo fantoche comandado
pelo Ministério do Trabalho”. Os sindicatos foram transformados
em meras agências. Distribuíam bolsas de estudo, davam
guias médicas e carimbavam rescisões contratuais de trabalho. O espírito
de classe, em decorrência, enfraqueceu-se e se esvaziou. Não
existia interesse em se sindicalizar. Em seguida à dos peões, outra
greve foi a dos metalúrgicos, em Contagem. Curiosamente, terminou
com a presença do irmão do Presidente Figueiredo, também general.
Genival, comentando na tribuna as greves da construção civil e a dos
metalúrgicos, continuou fustigando o regime:
– A luta pela recuperação da imagem sindicalista junto à população
veio com o apelo feito ao bom senso por lideranças autênticas do movimento
– João Paulo, Newton Borges e Lula, entre outros. O povo, então,
toma conhecimento de que a responsabilidade da classe, sequestrada de
seus direitos, é mínima. A greve tem raízes nos quinze anos de violenta
ditadura que, a espadadas e atos de exceção, impediu o exercício do ver-

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dadeiro sindicalismo. Pagamos, hoje, o preço elevado do reaprendizado
da liberdade.
(DCN,04/ago/78, págs.7452/53).
Uma decisão “diabolicamente divisionista da classe”, alicerçada em
parecer do TRT, atendia em tudo às reivindicações de mestres de obra e
encarregados, mas contemplava pouco pretensões dos pedreiros e quase
nada a pleitos dos serventes – estes, representantes de mais de 80% da
categoria. Que fazer? Se o conselho de um homem vivido, antigo advogado
de sindicatos pudesse ser ouvido, eu diria: “aceitem a proposta e
comecem a preparar o próximo movimento reivindicatório. (...) Minas
virou um barril de pólvora cheio de estopins. Poucos ousam afirmar que
se arma uma rebelião popular em Minas. Em vez de lutar contra esse perigo,
prefere a maioria fumar perto do barril.”
Movimentos de insatisfação eram formados no estado: o Sindicato
Patronal da Construção Civil iria recorrer da decisão do TRT que provocara
a revolta da peãozada. O pessoal de Ouro Branco já prepara sua
marcha de setenta quilômetros, engrossando a reação. Em Nova Lima,
os trabalhadores na mineração se mobilizam, juntamente com outras categorias
em desespero. Há movimentação da polícia militar, os bancários
declaram greve.
– Somados todos esses ingredientes, logo se percebe o grande perigo
que atravessamos por força de um instrumental jurídico odioso e
discriminatório, vocacionado apenas à concentração de riquezas. O político,
por não saber exercer liderança, seja por nunca tê-la exercitado,
seja porque desaprendeu o seu uso nos últimos quinze anos, queda-se
perplexo, sem saber como se conduzir. Não será esta a hora de se modificar
profundamente a estrutura social, econômica e política deste País,
através da pronta convocação de uma constituinte? Se isto não ocorrer,
tenha Deus piedade dos que se julgam poderosos.
(DCN, 18/ago/79, pág. 8127).
Como líder do MDB, na sessão de dezesseis de abril de 79, ainda
analisando a política econômica, Genival ressalta :
– Sr. presidente, srs. deputados. A revolução de março de 64 – é
bom que lembremos – tinha como bandeira, além do combate à subversão,
o combate à corrupção. Em seus primeiros anos não poupou dezenas
de homens que, sem qualquer oportunidade de defesa, foram

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cassados e tiveram seus direitos políticos suspensos, sob a acusação de
corruptos. Propalava-se também a moralização na esfera administrativa.
Passados quinze anos, sentimo-nos no dever de pedir contas, aos responsáveis
pelo governo, pelos bilhões de cruzeiros gastos para cobrir operações
ilícitas e pela corrupção que continua a enlamear vários setores
em nosso País. (...) E a área mais atingida é a do sistema financeiro, justamente
a que vem sendo mais incentivada por uma política monetarista
que já demonstrou à saciedade ter esgotado seus meios de combate à inflação,
eis que ela própria realimenta o processo, através das altas taxas
de juros, que interessam tão somente aos capitalistas financeiros, em detrimento
dos setores produtivos.
(DCN, 18/ago/79, pág. 8127)
Com efeito, os escândalos se multiplicavam. O BNH executava extrajudicialmente
milhares de pequenos mutuários com atraso de duas ou
três prestações, despejando famílias inteiras. Em contrapartida, “cada
processo de liquidação virou um foco de empreguismo e mordomias –
são advogados, contadores, choferes, todos contratados por conta da
massa, ou melhor, do Banco Central”. Era a consequência da ruinosa e
arruinada política econômica de Roberto Campos, Delfim Netto e Mário
Henrique Simonsen. Para evitar essa continuidade, Genival defendeu se
criasse uma “Polícia do Tesouro”, instituição que garantiria segurança
nos mercados financeiro e de capitais, nos moldes da controladoria da
moeda nos Estados Unidos, a conhecida SEC (US. Securities and Exchange
Commissions). Depois requereu ao Banco Central informações
sobre gastos nos processos de intervenção e liquidação extrajudiciais. A
dívida externa, assustadora em seu montante e com mal-assombradas
projeções de crescimento, merecia especialíssima atenção. Consequência
de desacertos, juros escorchantes, agiotagem, extorsão, dela só se poderia
esperar o pior. A vinte e quatro de abril de 80, discorreu sobre a disparatada
concentração de renda no Brasil, estarrecido pela informação do Ministério
da Fazenda de que trinta mil cidadãos teriam capacidade
contributiva três vezes maior do que os restantes cento e vinte milhões
de brasileiros, “o dado mais impressionante de toda a história da concentração
de renda em todo o mundo”.

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