terça-feira, 3 de setembro de 2013

O QUE POUCOS SABEM

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Na sessão de nove de março de 77, na iminência do processo de
estatização, Genival lembrou a ação alienígena nos bastidores do
golpe. Os mesmos interessados em reduzir nossa soberania articulavam
restringir a participação estatal na economia, dando nome de desestatização
a uma verdadeira desnacionalização. Mas, “o cognome
não mudou a semântica”, ensina judiciosamente. Lembrou haver requerido
à Câmara desarquivamento dos autos e do relatório da CPI
que investigara atividades do “Ibad”, “Ipes” e da “Ação Democrática”.
Criada em 63 a CPI, tivera Pedro Aleixo como relator. A ela cumpria
esclarecer a atuação de órgãos ligados às multinacionais e seu papel
no golpe de 64. Em dezembro, o resultado do inquérito foi aprovado.
Mostrava que a maioria dos diretores do “Ibad” e ‘Ipes” pressionara
grupos econômicos com o discurso de impedir o crescimento do comunismo
no Brasil. Captando-lhes simpatia e confiança, obtiveram
vultosas quantias que manuseavam sem prestação de contas. A CPI foi
posteriormente arquivada pelo governo militar.
Mais de vinte anos depois, Genival enfatiza:
– O Ibad foi um órgão que financiou pesadamente as eleições de
deputados fiéis aos interesses americanos. Em sua retaguarda existia um
tal de Hasslocher, uma figura meio mítica, nunca se conseguiu descobrir
na época quem era. Os bancos distribuíam dinheiro a mancheias para determinados
candidatos que se opunham a Jango, à reforma agrária, e muitos
deles estavam na Câmara quando requeri o desarquivamento. O
requerimento da CPI sobre o Ibad teve autoria do José Aparecido de Oliveira.
Foi aquele corre-corre, muita gente pedindo para eu desistir, inclusive
gente do nosso próprio partido, porque o partido era tido como
sendo financiado. Isso deu muito barulho, deu muita notícia na imprensa
na ocasião, mas no final das contas não foi possível o desarquivamento

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porque sumiram com toda a documentação. Aparecia apenas o requerimento
e seu encaminhamento para uma comissão da Câmara.
Foi o historiador e cientista político uruguaio René Armand Dreifuss,
naturalizado brasileiro, quem batizou de “Complexo Ibad/Ipes” o
esquema golpista patrocinado, dentre inúmeros interessados, também
pela CIA, a conhecida e temida “Central Intelligence Agency”. O complexo
nababescamente financiou algumas dezenas de candidatos direitistas
a postos eletivos na ocasião, uma fortuna havendo sido gasta. Há
até hoje uma controvérsia muito grande a respeito de seu fundador, o já
citado Hasslocher, e muita gente não sabe bem quem foi esse cidadão, o
homem que gerenciou os milhões de dólares fartamente despejados no
financiamento das campanhas apoiadas pelo complexo. O Instituto Brasileiro
de Ação Democrática, “Ibad”, foi uma escabrosa organização anticomunista
fundada em maio de 1959 pelo economista Ivan Hasslocher.
O objetivo era influenciar nos debates econômico/político/sociais do País
por meio da ação publicitária e política. Para apoio logístico, Hasslocher
usava uma empresa, a “Incrementadora de Vendas Promotion”. Ao lado
dele, vários empresários brasileiros e estadunidenses, com polpudas contribuições,
fariam parte dessa organização e de sua entidade irmã, o Instituto
de Pesquisas e Ações Sociais, “Ipes”, constituído dois anos e meio
depois, e cuja finalidade inicial era combater o estilo populista de JK e
possíveis vestígios da influência do comunismo no Brasil. Fundado em
dezembro de 1961 por Augusto Trajano de Azevedo Antunes (ligado à
Caemi) e Antônio Galotti (ligado à Light), o Ipes serviu como dos principais
catalisadores do pensamento antiGoulart. Encabeçando o rol de
doadores, ainda integrado por cerca de trezentas empresas de menor
porte, além de diversas entidades de classe, os cinco maiores financiadores
foram: Refinaria União, Cruzeiro do Sul, Light, Incomi e Listas
Telefônicas Brasileiras. O Ipes desapareceu em 1972, quando seus propósitos
pareciam ter sido cumpridos e o AI-5 parecia ter controlado todos
os focos de manifestação antidireita do País. Tinha estrutura idêntica à
de sua coirmã já citada.
No Ibad, Hasslocher recebia doações de quase uma centena de contribuintes
para combater Jango e formar células golpistas de militares,
trabalhadores e estudantes. A Ação Democrática Popular, Adep, subsidiária
do Ibad, centralizava contribuições. Segundo o ex-agente da CIA,
Philip Agee, os fundos provenientes de fontes estrangeiras foram utilizados
na campanha de oito candidatos a governador nos onze estados
onde houve eleições, e em apoio a quinze postulantes ao Senado, du-

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zentos e cinquenta à Câmara Federal e a mais de quinhentos às assembleias
legislativas. Multinacionais americanas ajudaram até com 5 milhões
de dólares – uma fortuna para a época, segundo calculou em 1977
o ex-embaixador do Brasil Lincoln Gordon. Hasslocher usava a já citada
“Promotion” para coordenar as ações financeiras e também fazer seu
pé-de-meia. O caso levou a uma CPI, aliás duas. A primeira fracassou
com a descoberta de que seu presidente e seu relator haviam sido financiados
pelo dinheiro de Hasslocher. Em 1963, deu numa segunda CPI,
presidida pelo então deputado Ulysses Guimarães. À primeira notícia
da investigação, Hasslocher mandou-se para o exterior. Em 1965, dois
anos após vir a público o escândalo em que se descobriu que arrecadara
quantias impressionantes, sumiu do mapa. Emigrou para Genebra, na
Suíça. Voltou cinco meses depois e exigiu depor como indiciado, descompromissado
de voto com a verdade. Dele se sabe que, até há poucos
anos, vivia folgadamente em Londres, dando-se ao luxo de fugir do inverno
europeu para sua casa no Texas, onde a temperatura é mais elevada.
Em entrevista concedida em 1998 à Folha de S.Paulo, o general
aposentado Hélio Ibiapina revelou que o Ibad possuía ligações com a
CIA e que ele fora encarregado pelo general Castelo Branco de confirmar
a veracidade da informação. O instituto acabou sendo extinto em dezembro
de 1963 por ordem judicial. Ibad e Ipes patrocinaram livros e ainda
financiaram, produziram e difundiram uma enorme quantidade de documentários
e programas de rádio e televisão, além de matérias nos jornais,
tudo com forte conteúdo anticomunista. As duas entidades contribuíram
decisivamente na oposição ao governo João Goulart, fato crucial para o
êxito do golpe militar de 64. Muitas das radionovelas, filmes de cinema
e programas de televisão da época tinham mensagens explícitas e implícitas
para absorção, pelos brasileiros, dos valores estadunidenses. Ademais,
toda a mídia corporativa brasileira se comprometeu com o projeto
golpista do complexo.
O José Aparecido de Oliveira, preocupado com o vasto noticiário e
provas evidentes levadas a ele pelo ex-governador de Pernambuco, Miguel
Arraes, requereu inquérito parlamentar sobre a matéria. Esse inquérito
parlamentar foi requerido ao Ulysses Guimarães, então presidente
da Câmara dos Deputados e foi designado relator o Dr. Pedro Aleixo, deputado.
Convocado como testemunha, Ivan Hasslocher recusou-se a
depor nessa condição. Ele não queria assinar o termo e pediu para ser
ouvido como indiciado. O relator, Pedro Aleixo, considerou que não

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havia como incluí-lo na condição de indiciado, citando o Código de Processo
Penal, até hoje em vigor, que prevê a figura da “testemunha informante”,
que não é obrigada a prestar compromisso de dizer a verdade.
Finalizando, o Ibad foi criado em 1959, mas só intensifica suas atividades
a partir de 1962, gerenciado diretamente pela CIA, que o abastecia
de forma generosa. O Ipes foi fundado em 1961, por empresários
do eixo Rio-S.Paulo. A partir do complexo Ipes/Ibad, surge a ADP (Associação
Democrática Parlamentar), grupo que atuava no congresso federal
e que tinha, entre seus membros, deputados, senadores da UDN
(praticamente todos dessa legenda), boa parte do PSD, e mesmo alguns
deputados do PTB. No âmbito estadual atuava a Adep (Associação Democrática
Estadual Parlamentar). Os membros da ADP e da Adep recebiam
fundos generosos do Ipes/Ibad. O complexo participou ativamente
das eleições de 1962, financiando políticos alinhados com suas propostas
ideológicas. Esses institutos estiveram diretamente envolvidos no golpe
de 64. Após o golpe, os arquivos do Ipes/Ibad foram fornecidos a Golbery
do Couto e Silva, e ajudariam a formar o acervo de informações do SNI.
Os fichários (cerca de três mil dossiês), com informações das principais
lideranças políticas, sindicais e empresariais do País foram absorvidos
pelo serviço, que seria uma agência de informações para o governo,
transmitindo-lhe fatos reais, eis que a verdade das coisas tem sido sempre
mascarada para os detentores do poder, o que lhes é muito agradável. Eu
já tive poder e sei muito bem disso. Tinha profundo nojo, asco verdadeiramente,
de quem me puxasse o saco. O Golbery fundou o SNI para ser
um órgão que levasse ao presidente a realidade, e o que dele pensava o
povo, quais as medidas que eram impopulares, por que eram impopulares,
e quais os interesses que estavam sendo contemplados. Não foi o
que aconteceu. Por isso que o Golbery, no final de vida, profundamente
frustrado, dizia para quem quisesse ouvir, e eu fui um dos que escutou,
de viva voz, a queixa sempre repetida: “eu quis fazer uma coisa muito
boa e terminei criando um monstro que acabou acolhedouro de dedosduros,
figuras da pior espécie da política nacional”. Quando não praticavam,
permitiam e até incentivavam a prática dos mais violentos
processos de repressão, tortura e tudo o que paralelamente se possa conceber.
Cumpre acrescentar que o complexo exportou seus conhecimentos
para os demais países da América Latina, e seus congêneres estiveram
presentes em golpes na Bolívia, Chile, Uruguai e Argentina. Hoje, registre-
se como curiosidade, a sigla Ibad designa o Instituto Brasileiro das
Assembleias de Deus. Pois bem, o inquérito a que acima aludi, após o

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golpe de 64 foi sumariamente arquivado, convenientemente escondendo
os nomes de deputados, senadores e mesmo governadores financiados
pelo Ibad/Ipes. Eu, em meu primeiro mandato, requeri o desarquivamento
disso. Foi um verdadeiro deus-nos-acuda, porque tinha um mundo
de gente que havia sido financiada por esses institutos, foi um corre-corre
tremendo, e no final das contas o meu pedido de abertura em peças do
inquérito foi também arquivado sumariamente. Quero sublinhar que a
campanha eleitoral de 62 foi marcada pela extrema radicalização e intervenção
direta do poder econômico – inclusive de empresas multinacionais,
de bancos estrangeiros e da própria embaixada dos Estados
Unidos, através da CIA.
A verdade é que a ditadura colocou uma pedra sobre o assunto, para
proteger parlamentares de sua base política, beneficiados pelo Ibad. Interferiu
inclusive ao ponto de o relatório elaborado pelo mais tarde vicepresidente
Pedro Aleixo ser arquivado independentemente de sua
apreciação pelo plenário da Câmara Federal.
A respeito, diz Fernando Coelho, no livro “DIREITA, VOLVER –
O Golpe de 1964 em Pernambuco”:
“Tendo sido a matéria constante do projeto de resolução nº 35/63
arquivada em 01.12.1969, sem que tivesse sido apreciada pelo plenário
da Câmara Federal (Diário do Congresso Nacional de 01.12.1969, pág.
751), em 09.03.1977, o deputado Genival Tourinho, do MDB de Minas
Gerais, requereu o seu desarquivamento, sendo o pedido indeferido (Diário
do Congresso Nacional de 01.07.1977). Exercendo então o mandato
de deputado federal pelo MDB de Pernambuco, depois de constatar a
proibição de acesso à documentação da CPI, vedada a sua consulta até
aos parlamentares, requeri à mesa da Câmara a publicação do inquérito,
com todos os seus elementos, para conhecimento dos deputados e demais
interessados, a exemplo do que é feito com todas as CPIs. O requerimento
foi indeferido no dia imediato, através de despacho do então presidente
da Câmara, deputado Marco Maciel, comunicado ao autor pelo
ofício GP/071968/77”.

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