terça-feira, 3 de setembro de 2013

NORTE DE MINAS - A MENINA DOS OLHOS DE GENIVAL

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O ano de 77 foi perverso para a região mineira do polígono das
secas, assolada por duas grandes estiagens. Nada menos que quarenta e
dois municípios tiveram todas as pastagens calcinadas. Genival lembrou
que o governo, com o Pronor, prometia, além da prorrogação de débitos
de pecuaristas, crédito para renovação de pastagens. Uma esperança para
a população atingida. Não passou de outro programa frustrado “deste governo
sob o qual temos a desdita de viver”. A muito duras penas, a Federação
dos Trabalhadores do Campo e a organização que congregava
os fazendeiros conseguiram revigorar o Pronor, mas apenas e tão somente
para prorrogação de débitos. A afirmação do Ministro da Agricultura
Alysson Paulinelli de que o crédito rural, dependendo de medidas complementares
estava implantado, apenas adiava quebra coletiva. Genival
apelou, pois, às autoridades competentes para que restabelecessem cabalmente
o Pronor, que ainda, e por cima, impunha novas restrições, severamente
condenadas, à política de crédito rural.
– (...) Depois do desempenho extraordinário da agricultura brasileira
no ano passado, parece que exatamente como castigo, começou-se a política
de restrição creditícia. Os agricultores da minha região vivem completamente
apavorados. Depois de dois anos de seca inclemente, a classe
empresarial rural do Norte de Minas Gerais conseguiu, num esforço inaudito,
recuperar suas pastagens, e as recuperou para nada, porque todo o
rebanho daquela região desapareceu, dizimado pela seca ou vendido por
motivo do aperto financeiro dos fazendeiros. E não houve qualquer possibilidade
de reposição desse rebanho. (...) É necessário incentivar esse
homem glorioso, que luta, derruba florestas, planta, amaina a terra com
suas mãos, regando-a com o suor de seu rosto e que, em consequência,
ouve sandices imensas, sem qualquer sentido, como as proferidas ontem
pelo sr. Ministro da Agricultura. Mais uma vez lamento que o sr. Ministro

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Alysson Paulinelli não tenha tido o vigor da gente das Minas Gerais para,
já que não pode fazer nada, anunciar que o Ministério da Agricultura
nada resolve e que se, de uma hora para outra for extinto, nenhum produtor
rural deste País sentirá sua falta.
(DCN, 01/jun/78, pág. 4420).
Mesmo na Câmara, Genival mantinha sob constante observação sua
“menina dos olhos”, o Norte de Minas. De visão abrangente para os problemas
nacionais, tinha olhos de lince para as mazelas de sua região.
Sempre vigilante, denunciou a não liberação dos recursos do Finor
(Fundo de Investimento do Nordeste), com consequente desemprego na
região.
(DCN, 26/nov/77, pág. 12176).
Alertou, de outra feita, para o desvio – por manipulação de interesses
políticos dos prefeitos – de recursos públicos federais destinados aos
flagelados do Vale do São Francisco. Na ocasião, o Ministro do Interior
Mário Andreazza foi à Casa para discutir problemas da seca do Nordeste
e as soluções propostas.
– Interpelei Mário Andreazza naquela reunião da Comissão do Polígono
das Secas sobre a discriminação da área poligonal mineira já que,
por definição legal, os então quarenta e dois municípios do Norte de
Minas eram considerados Nordeste. Ele ficou meio atrapalhado, porque
houve realmente uma segregação de Minas Gerais, fato que, aliás, sempre
ocorreu durante a existência da Sudene. O Norte de Minas, para conseguir
alguma coisa, tinha que ser no berro, tinha que ser no grito. Se o
professor Darcy Bessone, montes-clarense ilustre, não tivesse usado o
prestígio que tinha junto ao Magalhães Pinto para, num trabalho de alta
envergadura logo após o golpe, levar a agência da Sudene para Montes
Claros, eu não sei se algum projeto da Sudene teria sido aprovado. Porque
a Sudene, logo nos primeiros tempos, discriminava abertamente o
Norte de Minas e eu interpelei o Andreazza exatamente por causa dessa
discriminação que ele praticava, autorizando frentes de trabalho, benefícios,
abertura de poços artesianos e outras obras, apenas para o Nordeste
propriamente dito, conhecido como tal geograficamente, e não para o
Nordeste legal, que incluía os quarenta e dois municípios do Norte mineiro.
Os nordestinos nunca acataram a inclusão da área mineira no polígono
das secas na Sudene. Foram obrigados a aceitar, porque na ocasião
era Presidente da República Juscelino Kubitschek. Eles sempre tentaram

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marginalizar nossa região. Os governadores nordestinos se reuniam no
Restaurante Leite, no Recife, e ali também se reunia o conselho da Sudene,
que era composto por eles, os governadores, e meia dúzia de burocratas.
Os burocratas faziam o que os governadores decidiam. Lá, eles
dividiam o bolo sempre com prejuízo de Minas, o que começou a terminar
com a instalação de escritório da Sudene em nosso estado. Depois
disso eu, como deputado, ainda sentia a hostilidade dos nordestinos com
relação aos interesses da área mineira da Sudene.
Relatou, na Comissão do Vale do São Francisco, a preocupação dos
lavradores quanto à construção de barragem na confluência dos rios Paracatu
e Sono e ainda reivindicou a vitalização do DNOCS, em sua opinião,
o órgão público que mais sensibilizara o Norte de Minas.
(DCN, 01/mai/81, págs. 28989/99).
Não deixou, nessa oportunidade, de se referir ao grave problema
dos posseiros do Vale do Jaíba, que se poderia tornar um vulcão social,
não fosse rapidamente equacionado. Lembrou que em 62, o então Governador
Magalhães Pinto, por decreto, e apoiado no art. 171 da Constituição,
determinara que todos os que quisessem trabalhar na terra, mas
não a tivessem, ocupassem a montante do Rio Verde até a margem do
São Francisco. Eram milhares de hectares de terras devolutas. Centenas
de posseiros se deslocaram para lá, fixando-se e começando a trabalhar.
Por manobras, de repente se viram expulsos, ficando a Ruralminas de
posse de todas as terras devolutas.
– Aconteceu, mais uma vez, aquilo que a história do mundo vem
reproduzindo, ou seja, exatamente, a hegemonia dos poderosos: os posseiros
saíram, a terras foram legitimadas em nome de grandes fazendeiros.
Abusos e tropelias foram cometidos contra homens que lá
trabalhavam e de nada valeu o decreto do governador.
(DCN, 20/ago/81, págs. 80533/55).
No início de 78, Genival solicitou a criação de uma CPI na Sudene,
para averiguar aplicação dos incentivos fiscais. Após alguns meses e uns
tantos percalços, a comissão foi finalmente instalada. Na sessão de quatro
de dezembro Genival, como relator, apresentou as principais conclusões:
obrigação de as estatais aumentarem investimentos no Nordeste e vinculação
à lei para liberação de recursos originados de incentivos fiscais.
Outras importantes recomendações foram feitas ainda. Além disso, mos-

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trou o parecer da CPI que aprovava o relatório e as conclusões do relator
adotando o projeto de resolução oferecido, acrescentando sugestões do
deputado Passos Porto.
Finalizou:
– Creiam-me, srs. deputados, que o melhor de nossos esforços, que
o mais vivo idealismo da Comissão Parlamentar de Inquérito, através
dos membros que a compuseram, foi jogado neste trabalho que, imploro,
não seja relegado a um dos escaninhos dos vários ministérios, nem a escaninhos
do executivo, que tudo pode, enquanto esta Casa, na realidade,
nada pode, senão perquirir, senão sugerir, senão investigar e, mais ainda,
trabalhar com bom senso, a bem de nossa gente, do povo que nos elegeu,
do povo que nos mandou para esta casa, na pretensão de que possamos
bem representá-lo. (Muito bem!)
(DCN, 06/jun/79, págs. 5216-5221).
A respeito relembra às entrevistadoras:
– Requeri uma CPI para verificar o funcionamento da Sudene. A
imprensa de Pernambuco começou a me descer o malho, como se nós,
sulistas – eles chamam de sulistas os brasileiros da Bahia para baixo –,
mais uma vez quiséssemos investir contra a Sudene. Pelo contrário, eu
queria abrir a Sudene, já que minha região era beneficiada por ela. Mas
o que eu sentia, era que os benefícios da Sudene não eram muito bem
direcionados. Muitas vezes, determinado empresário que precisava realmente,
não era contemplado. Quis evitar que essas anomalias acontecessem.
Queria, por exemplo, que fosse aprovado, sem ser submetido ao
autoritarismo de então, um projeto bem direcionado, que dava emprego,
benefício social, rentabilidade, e também tivesse os recursos demandados.
E a imprensa pernambucana achava que eu queria acabar com a Sudene.
Depois, quando começou a perceber qual era o meu
posicionamento, ganhei editoriais e mais editoriais do Diário de Pernambuco
elogiando minha atitude. Primeiro, me picharam violentamente.
Depois, quando saí com meu relatório, uma radiografia inteira da Sudene
com seus defeitos e como poderia se aperfeiçoar, passaram aos elogios.
Naquela ocasião a Sudene liberava os recursos e ia atrás dos captadores.
Era dado deságio de 40 a 45% para que a pessoa fosse aplicar seu dinheiro
naquele projeto que fosse de seu interesse. Quando veio o “Finor”
isso acabou. Então, ressalto, uma das primeiras vezes em que se falou
no “Finor”, como um modo de evitar essa comercialização, como evitar
o deságio acentuado na aquisição de ações de empresas aprovadas pela

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Sudene, foi exatamente nesse relatório. Ouvimos presidentes e ex-presidentes
da Sudene. Tentei o Celso Furtado. Era um ato meio audacioso
chamá-lo, um nome maldito, mas eu o convidei para a CPI. Declinou do
convite, dizendo que talvez sua presença até provocasse fatos que inutilizariam
o propósito que eu tinha. Lembro-me, por exemplo, de que uma
vez, na Comissão de Educação e Cultura, sugeri levar o Darcy Ribeiro,
que tinha voltado do exílio da primeira vez. As pessoas tapavam os ouvidos,
botavam a mão na cabeça, como se aquilo fosse uma loucura, o
diabo, que eu estava fazendo blague. Eu dizia: estou falando sério. Já
que vocês estão preocupados falando mesmo em ressuscitar aquele pernambucano,
Paulo Freire, se para ele não tem condição, o Darcy Ribeiro
está aí, por que não chamá-lo? Foi um pânico completo na comissão.
Depois o presidente mandou cortar toda e qualquer alusão ao nome
e à sugestão que fiz. A CPI ajudou muito a mudar o sistema de captação
de recursos, em que o que ia tomar dinheiro, vender ações para a empresa,
muitas vezes trabalhava com deságio de 40, 50% para vender suas
ações. Estavam todos descapitalizados. Essa CPI levou à conclusão de
que a Sudene teria que reformar seu modelo financeiro e em função dela
e de outros fatores é que se estabeleceu o “Finor”, que era outra forma
de financiamento. Entre outras, uma das coisas que o Finor adotou, como
meio de captação de recursos, foi o leilão.
Incansável na luta pelo desenvolvimento do Norte de Minas, pediu
certa vez a palavra para transmitir as graves denúncias feitas por José
Raimundo Gitirana, vereador e líder do MDB em Pirapora, contra a administração
local. A cidade era então o segundo polo industrial da região,
rivalizava com Montes Claros no processo de captação de recursos da
Sudene. As denúncias, em parte publicadas no Jornal de Minas, iam
desde a dilapidação do patrimônio público da cidade até o ambiente de
absoluta intimidação imposto à população pelo chefe de gabinete do prefeito.
Genival veementemente apelou ao Ministério da Justiça para que
tomasse providências em relação àqueles sérios problemas que atormentavam
o município.
(DCN, 03/jun/78, págs. 4514/15).
De outra feita, expôs na tribuna irregularidades na aplicação de recursos
para financiamento de pequenas e médias empresas nas áreas da
Sudene e da Sudam. O Plano de Ações Conjuntas – PAC – e o Financiamento
de Acionistas – Finac –, criados pelo BNDE, afirmou, foram de

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tal forma manipulados pelos bancos de investimento, que as pequenas e
médias empresas deixaram de ser beneficiadas. Em decorrência, acrescentou,
dava entrada a requerimento de informações sobre o emprego de
recursos do PAC 78/41. Pretendia, em razão disso, trazer o presidente do
BNDE para explicações.
(DCN, 09/nov /79, pág. 12799).
Quando a Sudene completou vinte anos, em sessão a que compareceram
o superintendente do órgão e outras autoridades, Genival, em discurso
como de hábito improvisado, prestou homenagem a JK, lembrando
que a entidade fora criada em seu governo, quando então se cristalizaram
“o sonho e as esperanças de milhares de brasileiros que se vinham batendo
em favor de providências tendentes a desconcentrar o progresso
da nação, fazendo com que o desenvolvimento atingisse o Nordeste para
beneficiar sua enorme população”. Ao ensejo apresentou profunda e detalhada
análise da atuação da Sudene ao longo dos anos, relacionando os
objetivos propostos e os resultados alcançados. Enumerou igualmente os
principais aspectos positivos da sua política, salientados pela CPI que
lhe examinou a atuação. Não deixou, uma vez mais, de discordar do regime
vigente no País. Completou:
–A Sudene, em seus vinte anos de atuação, fez muito pelo progresso
do Nordeste, e teria feito mais, se melhores condições de trabalho lhe
houvessem sido conferidas. Seu ideário, assim como o de cada um dos
eminentes homens públicos que a dirigiram, permanece válido após todos
esses anos, mas ocorreram, ao longo do tempo, modificações conjunturais
e políticas que acabaram por descaracterizar algumas de suas principais
atribuições, eliminando aos poucos a centralização necessária ao
correto desempenho de suas funções.
Cinco tópicos foram citados como contrários aos interesses da região
nordeste, o principal a transferência de recursos para o centro-sul
por meio do mercado de capitais. Num episódio isolado, uma infeliz declaração
de Wilson Braga, governador da Paraíba, chamando Minas Gerais
de “gigolô da economia brasileira”, profundamente indignou os
parlamentares, em particular a Genival, gerando veemente protesto.
– Realmente, o sr. Wilson Braga não faz honra ao estado da Paraíba.
Pretender desenvolver aquele clima de hostilidade a Minas Gerais no
conselho da Sudene, é na realidade malhar em ferro frio. Já houve tempo,
presidente, em que o “clube” dos governadores, reunido no Restaurante

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Leite, no Recife, mantinha para com todos uma nítida prevenção em relação
à nossa participação no conselho da Sudene. Mas logo entenderam,
não só pelo fato de a Sudene ter sido criada pelo inesquecível Presidente
Juscelino Kubitschek de Oliveira, como também em homenagem às condições
de terreno, de clima, e à paisagem do Norte de Minas, que é tipicamente
nordestina, que nós realmente tínhamos o direito de nos
beneficiar dos recursos da Sudene. E agora agride o meu estado apenas
porque Tancredo Neves disse que o PDS é um partido nordestino. E o é
efetivamente, sem que isso signifique qualquer tipo de agressão ao Nordeste.
Porque, se perdemos a política no Rio Grande do Sul não foi em
função do PDS, mas em decorrência da nossa incompetência, da incompetência
das oposições em não aceitar o esquema do governo, partir para
uma vitória maciça com apenas um candidato das oposições.
Em decorrência, prometeu lutar para retirar Wilson Braga do Conselho
Deliberativo da Sudene, vergastando o governador paraibano por
empregar sua esposa no estado. Após, encerrou, em seu melhor estilo:
– Peço apenas que se respeite o meu estado, as lições de segurança,
de prudência e desenvolvimento que Minas Gerais, um estado mediterrâneo,
sempre deu ao Brasil inteiro. Que respeite os laços de profunda
ligação que, desde a revolução de 1930, o meu estado mantém com o pequenino
e glorioso estado da Paraíba que merecia, sim, ser governado
por um moço de autoridade moral, cultura e discernimento de Antônio
Mariz, e não pelo trêfego e inconsequente atual governador.
(DCN, 25/nov/82, pág. 8912).
Hoje comenta apenas:
– Quando eu era relator da Sudene, já apontava mazelas que recentemente
voltaram à tona e que levaram à extinção da Sudam e da mesma
Sudene. Meu relatório, contendo várias sugestões, foi aprovado pelo plenário.
Cerca de vinte deputados compunham a CPI, e as conclusões
foram encaminhadas ao Ministério do Desenvolvimento.

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