segunda-feira, 2 de setembro de 2013

AS ELEIÇÕES DE 78

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Súbito, deu-se conta de que chegara, de novo, tempo de voto, de
cuidar de sua reeleição, de fazer campanha, agora sem a pressa e consequentes
atropelos da primeira. Em 1977 o governo federal, com simples
promulgação de um ato, impediu o livre acesso do MDB ao rádio e à televisão.
No ano seguinte, entretanto, obrigatório o cumprimento do horário
eleitoral para garantir mínima fachada de democracia, criou-se a
Lei Falcão, numa tentativa de impedir que o MDB, claramente se afirmando
como o grande partido oposicionista, atingisse acachapante vitória.
A lei impedia apresentação de programas partidários ou mesmo fala
de candidatos. O MDB, entretanto, reunia todos os que protestavam contra
a ditadura. Quando foi vedado o acesso de seus candidatos ao rádio e
televisão, o partido buscou (e encontrou) apoio entre as entidades que
lutavam pelos mesmos direitos e liberdades democráticas, as organizações
de base. Com esse amálgama inesperado não contavam os legisladores.
Política formal e de base, daí para a frente se nivelaram num
mesmo e único patamar. Cresceram juntas, formaram vínculo. Mais tarde
se separaram, mas a meta foi alcançada, a finalidade foi atingida.
Segundo Genival:
– A campanha de 78 ficou conhecida como a do retratinho, do mudo.
Estava em vigor a Lei Falcão, o momento era de muita dureza, eufemismo
para ditadura descarada. Já no ano anterior fora cassado Alencar
Furtado, então líder do MDB na Câmara Federal, após repercussões de
um programa nacional de rádio e televisão. Aliás, quando vi o depoimento
do Alencar no programa, pensei: “amanhã está cassado”. Não deu
outra. Cassado também foi o Lisâneas Maciel, sobrinho neto de Olegário
Maciel. Pouparam o Ulysses (Guimarães) porque era presidente do partido.
A pancada seria muito grande, levando a níveis muito altos as consequências.

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Em 78, a reeleição de Genival foi tranquila, apesar de expressiva
queda de votos em Teófilo Otoni e Itajubá. Em Teófilo Otoni, concorreu
com o ex-prefeito Luiz Leal, baixando de quatro mil e tantos votos para
trezentos e poucos. Na eleição de 74 houvera fraude, com transferência
de votos de Petrônio para Luiz Leal. Petrônio (Mendes de Souza), segundo
seu filho João Paulo, era conhecido como “médico dos pobres”.
Perdeu por trinta e poucos votos e Genival foi seu advogado, numa causa
que ficou famosa na cidade como a “questão da urna 43”.
– Tive enorme queda de votos nas eleições em Teófilo Otoni, de 74
para 78. Em 1974 fui advogado na chamada “fraude eleitoral de Teófilo
Otoni”, envolvendo a urna 43, numa questão que ficou famosa na época,
apaixonando a opinião pública daquela cidade. Segundo os seguidores
de Petrônio, o juiz local teria ensejado uma inversão dos resultados da
referida urna 43, na qual o Petrônio teria tido perto de cem votos de frente
quando, na apuração, apareceu derrotado por 35 votos. Figurava-se uma
fraude. Fui advogado dele e, por um voto apenas, deixei de ganhar a
questão no Tribunal Regional Eleitoral, o TRE. Não cobrei honorários
dele, que, grato, me apoiou integralmente naquelas eleições. Fiquei impressionadíssimo
de ver seu prestígio. Só para se ter uma ideia, ele me
levou a um distrito chamado Pedro Versiani, cerca de 30 quilômetros da
sede de Teófilo Otoni. Lá se reuniu com umas dez pessoas, compadres e
amigos mais chegados, e pediu a eles, com muita humildade até, como
era do feitio dele, que votassem em mim como se estivessem votando
nele. Porque ele tinha um compromisso realmente muito grande de me
fazer majoritário na cidade de Teófilo Otoni. Pois bem, o distrito de Pedro
Versiani tinha 980 eleitores, eu tive 972 votos lá dentro, sem gastar um
centavo, pagar um cartaz, despender com um litro que fosse de gasolina,
exceto os do abastecimento na visita em que o levei. Em 1978, agora
com ele já combalido, afastado da política, enfrentei, como candidato, o
Luiz Leal, que teria sido o beneficiado pela fraude de 74. Minha votação
caiu brutalmente. Cheguei a Teófilo Otoni acompanhando o Tancredo
Neves, que me convidou, já que eu era o deputado majoritário da região.
Mas me esqueci de avisar aos meus correligionários. Tão logo cheguei
ao aeroporto com o Tancredo, a turma toda rapidamente saiu com ele no
carro e me deixou absolutamente só. Foi então que atinei para a minha
ingenuidade. Tancredo foi levado no atropelo. Se percebesse que eu estava
sendo deixado para trás, por alguma manobra do grupo que o estava
apoiando, certamente não permitiria isso. Aliás, deu-me toda razão
quando expliquei porque não me deixaram falar no comício e por isso

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resolvi permanecer na cidade para fazê-lo no dia seguinte. Chegou a me
dizer: “se eu tivesse percebido que eles estavam deixando você para trás,
teria exigido sua presença no carro que me levou até a cidade”. E não
tenho dúvida nenhuma de que ele faria isso, porque Tancredo era realmente
um homem capaz de gestos dessa natureza, mormente quando envolvia
solidariedade. Por várias vezes durante minha vida política, tive
oportunidade de sentir essa solidariedade que ele demonstrava com seus
amigos. Uma delas foi em Manga, terra de mamãe, onde sempre fui
muito mal votado, apesar de muito ter beneficiado a cidade. Lá se havia
organizado um grupo de apoio à campanha de Tancredo. Eram pessoas
que não tinham por mim qualquer estima, e então, quando o comício estava
sendo realizado, uma delas tentou me negar a palavra, sem nenhuma
justificativa. Após terem falado os oradores locais, preterindo a mim que
estava no palanque, essa pessoa abruptamente passou o microfone para
o Tancredo encerrar. Ele, pura e simplesmente, pegou o microfone e me
estendeu para que eu falasse antes dele. Aquilo teve uma repercussão tremenda
em Manga naquela ocasião, como prova de deferência dele para
comigo.
De outra feita, em Itajubá, o presidente do MDB, sob alegação de
que Aureliano Chaves seria de lá, passou publicamente a apoiar a candidatura
dele, assim como também o fez o então prefeito, que depois viria
a ser deputado federal. Quando notei aquilo, eu e o Nilson Gontijo fizemos
uma representação ao partido, pedindo a expulsão dos dois, tanto
do Jansen, que era o presidente do MDB local, quanto do prefeito, o Rosemburgo
Romano. Conseguimos expulsar Jansen do partido. Rosemburgo
requereu a própria desfiliação, evitando ser expulso. Voltou,
tempos depois, a se filiar, quando veio a disputar o mandato de deputado
federal. Logo após a expulsão do Jansen e a saída espontânea do Rosemburgo,
acompanhamos o Tancredo em Itajubá, pois conseguíramos aliciar
ali um vereador, por cuja influência obtivemos mais duas ou três adesões.
Fizemos uma movimentação muito grande naquela cidade, o que nos ensejou,
ao Nilson Gontijo e a mim, uma grande votação. Levamos o Tancredo
para fazer um comício lá. Naquele clima típico do mês de julho
no Sul de Minas, aquela chuvinha miudinha, aquele frio intenso, tudo levava
a crer que nosso comício seria um fracasso completo. Na hora marcada,
estariam presentes umas cento e poucas pessoas. Quando nos
retirávamos da janela do andar superior do hotel em que nos hospedamos,
percebemos o pequeno comparecimento do público, o que levou o Itamar
Franco a reclamar, dizendo que não iria participar do evento porque es-
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tava acostumado a falar em comícios para dez mil pessoas. De imediato,
provocou a reação do Tancredo que, veementemente, retrucou: “com dez
mil, cem mil, ou uma ou duas ou três pessoas, você não vai, definitivamente,
subestimar o esforço dos companheiros que vieram para cá, e aqui
levantaram o partido após a traição do prefeito, após a traição do presidente
do partido, conseguindo restabelecer nossa bandeira e promover o
nome do partido. Você não vai fazer isso, de maneira alguma. Desça imediatamente
e vamos juntos para o comício, porque se nós o deixarmos
aqui nesta cidade, sozinho, você não terá uma pessoa sequer para acolhê-
lo, porque aqui você não conhece ninguém”. Itamar, assim apanhado
de supetão por essa reação vigorosa, subiu conosco no palanque e foi verificando
que, na medida em que íamos falando, mais e mais gente ia se
aproximando, o comparecimento aumentando. O comício não foi o sucesso
que se esperava, como tinha acontecido em outros locais, mas terminou
com uns mil e quinhentos presentes. E o que é mais interessante,
onde o Itamar dava por completamente perdida a campanha dele, ganhou
do adversário por frente de mais de mil votos.
Concluindo, o povo, com a candidatura do Luiz Leal, preferiu votar
nele, que fora prefeito por quatro anos. De praticamente nada me valeu
o apoio do Petrônio, já totalmente apático e indiferente à política em 78.
Meu eleitorado, de uma eleição para a outra, caiu de 4 mil e tantos votos
para perto de 400, quase 10% do que eu tive na primeira eleição. Interessante
é que, passado o embate político, fomos, Luiz Leal e eu, para a
Câmara Federal, nos aproximamos e nos tornamos amigos, o que somos
até hoje. Ele não guardou de mim qualquer espécie de rancor, e eu, conforme
meu feitio, também não abriguei nenhum ressentimento. Continuamos
bons amigos, conservando aquela convivência que tivemos
durante os quatro anos em que fomos deputados federais.
Em 78, claramente, o regime ditatorial chegava nas vascas da agonia.
Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas, deixara a Arena e percorria
o Brasil de ponta a ponta, pregando a redemocratização. Com um câncer
no pulmão e outro na cabeça, parece que isso lhe galvanizou corpo e
alma, tornando inolvidável sua jornada. Teotônio foi um político, não há
como fugir à expressão, de raríssimo jaez. Também a Igreja aderiu integralmente
à oposição. Os movimentos de base cresceram, tudo despertava
união do povo em torno de um objetivo. Nos próprios meios
militares já se manifestavam resistências ao poder. Deputados de nossa
bancada se reuniam com o general Cordeiro de Farias, que havia sido
um dos comandantes da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, na Se-

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gunda Guerra Mundial. Depois, foi governador em Pernambuco e no Rio
Grande do Sul. Deixou, por sinal, um depoimento imenso, preciosa fonte
de consultas. Recordo-me de várias reuniões, das quais também participavam
os generais Euler Bentes e Hugo de Abreu, esse último, conforme
relatei, já conspirando contra o excesso de autoridade do regime. Havia,
enfim, uma série de desentendimentos entre os militares, um amontoado
de defecções. Virou tudo um não terminar de brigas. Os resultados de 78
confirmaram a força crescente do MDB, com a eleição de Tancredo para
o Senado. Estive pensando depois como certos episódios são significativos
na rota política, mais imprevisíveis que em outros setores da vida.
Nesses, alguma lógica pode ajudar. Em dado momento, uma circunstância
qualquer pode alterar por inteiro uma vida. Exemplo basilar foi a trajetória
política de Tancredo. Militando, quando deputado federal, no
chamado Grupo dos Moderados, disputou, em 76, a liderança do MDB
com o paulista Freitas Nobre, do Grupo dos Autênticos. Foi uma disputa
acirrada. Eu estava para viajar a Belo Horizonte e quando percebi, na
apuração, a iminência de Tancredo perder, fiquei a seu lado. Ele empalidecera,
começou a morder, quase a engolir a ponta da gravata, gesto característico
seu quando ficava nervoso. Até faltarem uns dez ou quinze
votos para final de apuração, ele perdia por quatro ou cinco. Aí foi-se recuperando,
recuperando...
No último voto, a vitória. Mas como ele transpirara, como suava...
Ficou aquela mancha típica debaixo do braço. Houvesse perdido a eleição,
a história poderia ser contada de forma diferente. Vamos imaginar:
se ele houvesse perdido aquele escrutínio seria candidato, dois anos depois,

ao Senado?

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