segunda-feira, 2 de setembro de 2013

DESDOBRAMENTOS

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No dia seguinte começou a distribuição de cargos para as comissões,
designando-se presidentes, vices, e o que mais fosse. Fiquei
então sabendo que Tancredo tinha indicado para a presidência da comissão
do Polígono das Secas, que era a única que dizia respeito ao
Norte de Minas, o Nelson Thibau, folclórica figura na política mineira
da época. O Thibau condicionara o voto à sua indicação. Ou
ele teria a presidência da comissão, ou votaria contra. Fiquei indignado,
e com toda razão. Quem representava Minas pelo Polígono das
Secas era o deputado de Montes Claros, era eu. Thibau, quando
muito, poderia ser marinheiro na Lagoa da Pampulha, comandando
algum Bateau Mouche (nome de um barco que afundou tragicamente
numa passagem de réveillon em 88, no Rio, quando morreram 55
pessoas), ele que prometia em suas campanhas pôr um barco na
lagoa, para incentivar o turismo. Fui à sala da presidência, telefonei
para o Tancredo e disse: estou acabando de saber do nome que você
indicou para a Comissão do Polígono das Secas. E está começando
mal, porque derroto você amanhã, na porta da comissão. Não vou
aceitar uma desfaçatez dessas comigo. Usei essa palavra, desfaçatez.
Telefonei, em seguida, para vários companheiros da Comissão do
Polígono, à qual eu pertencia, e resolvi lançar a candidatura do Jarbas
Vasconcelos. Mas o Jarbas disse: “Genival, não tenho qualquer
interesse na presidência dessa comissão”. Insisti: mas nem o interesse
de ver poupado seu amigo aqui, caso eleito o comandante do
vapor da Pampulha? Ao que ele respondeu: “Se é do seu interesse,
posso firmar a candidatura. É claro que aceito, estou totalmente solidário
com você”. Fui então para a porta da comissão, o Jarbas foi
eleito presidente. Aquilo repercutiu imensamente na Câmara, foi a
primeira derrota política do Tancredo como líder do MDB. À noite,
ele me disse: “Quero tomar o café da manhã com você, amanhã”.

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– Se é por causa daquela indicação, não tenha qualquer tipo de preocupação,
estamos quites, você indicou um nome sem sentido nenhum e
eu o derrotei. Estamos zero a zero.
“Mas não posso tomar um café da manhã com você?”
– Vamos tomar o café da manhã com muito prazer.
Ele chegou na hora certa e eu mesmo, sem empregada, coei o café.
Notei o Tancredo visceralmente constrangido. Então me disse, e acredito,
o seguinte: “se soubesse que o preço desta minha eleição para líder do
MDB seria tão alto, traria tantos problemas, jamais teria disputado o
cargo”. O fato é que ele ganhara do Freitas Nobre por um voto, mas para
isso fora obrigado a fazer uma série de concessões. Esta inclusive. Num
primeiro momento não percebeu que iria causar traumas, e o troco foi
duro. O Thibau reagiu com palavrões e, na porta mesmo da sala da Comissão
do Polígono das Secas, dei-lhe algumas porradas. Não continuei
porque o Alfredo Campos e o Renato Azeredo me seguraram.
Quando Tancredo, em 78, foi candidato ao Senado, recordo-me de
um fato marcante de sua extrema sagacidade. Ele sabia muito das coisas
e o que ele mesmo não podia fazer, fazia por intermédio de outros. Eu
mesmo fui muito, digamos assim, utilizado por ele. Percebia, sabia que
estava sendo “usado”, mas gostava. Era, em síntese, uma forma de ser
útil, além de aprender. Isso posto, um belo dia, disputando o Senado, e
com eleição dependendo de apuração do TRE de Belo Horizonte, ele
chega-se a mim, e diz: “ontem, eu estava com cento e quarenta mil votos
de frente, hoje ela cai para sessenta mil”.
E sempre com aquele gesto de jogar a gravata na boca, quando nervoso.
“Estou sabendo que, lá no TRE, antes de os resultados serem levados
ao conhecimento dos partidos, passam pelo crivo do SNI (Serviço
Nacional de Informações, hoje extinto)”. E me dizia isso, incitando-me
a ir à tribuna fazer a denúncia. Fui. Meti o pau, falei que as eleições estavam
sendo comprometidas, mais isto e mais aquilo... Enfatizei a queda,
em um único dia, de uma diferença de mais de cento e quarenta mil votos
para apenas sessenta mil. Quero lembrar aqui que a apuração não era informatizada,
não havia os recursos de hoje. Era lentíssima, voto a voto,
com direito a impugnação pelos fiscais. Tudo se somava em mil artifícios
para, mais ainda, retardá-la. Voltei, na sexta feira, para Belo Horizonte,
e encontrei, em todos os jornais uma nota, dura, do diretor geral do TRE
dando-me uma senhora esculhambação, chamando-me de leviano, de inconsequente,
por aí afora. E, acrescentava a nota: “Genival, logo ele, que
sempre tinha para si abertas as portas do tribunal, que lá militava, e que

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há muitos anos convivia com os juízes da casa, jamais poderia ter feito
uma afirmação improcedente, imprudente e inconsequente como
aquela”.
Foi quando telefonei a ele (diretor do TRE) e disse:
– Paulinho, sabe quem me induziu a fazer esse discurso, a pedido
de quem o fiz?
Ele estava meio sem graça, mas como o coloquei inteiramente à
vontade, chamando-o inclusive de Paulinho, perguntou: “Quem foi?”
Respondi:
– Foi o homem em quem você votou para senador. O desembargador
Zozó também votava nele.
Com esta minha resposta desarmei-o. A explicação fora propositada,
o desembargador Zozó era o pai dele. Então, encerrei: Acho que você
devia fazer outra notinha, todos aqueles adjetivos empregados para o deputado
Genival Tourinho foram extensivos ao senador Tancredo Neves.
O Paulinho é o Paulo Eduardo Melo, de há muito aposentado no TRE, e
hoje conceituado advogado em Belo Horizonte.

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