segunda-feira, 2 de setembro de 2013

CONFISSÕES DE UM TORTURADOR

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Desde que, em entrevista ao Jornal do Brasil, fora denunciado envolvimento
de Paulino no processo de tortura em Minas, Genival e familiares
se sentiam ameaçados por ele. Ao se retirar de uma cerimônia
na capital, Genival pudera sentir isso mais concretamente.
Discorre:
– Ostensivamente postado com um jagunço na calçada lateral,
ambos de braços cruzados, olhando fixamente na minha direção, era claríssimo
o recado da intimidação. Intimidação a que respondo agora, contando
a história parcial de um crápula. Pena que o retrato falado seja
apenas na medida de três por dois. Exijo das autoridades, principalmente
do Ministro da Justiça, ampla investigação sobre os fatos denunciados.
Exijo da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais o pronto recolhimento
de Alfredão à Penitenciária de Neves, que é o seu lugar. Exijo
justiça, enfim, para tantos que foram humilhados, torturados, chantageados
na minha província, com total menoscabo da “civitas” mineira.
Encerrou com a leitura da petição que dirigira naquele dia ao presidente
da Comissão de Direitos Humanos, solicitando completa apuração
dos fatos denunciados.
Confrontemos com o relato de hoje:
– Em 1999 a revista Veja publicou aquela história do tenente Paixão
(Marcelo Paixão Araújo) (*), contando como torturava, na época em que
era oficial do DOI-CODI aqui em Belo Horizonte – e o prazer que sentia
naquilo. Logo depois, o Estado de Minas publicou, em primeira página,
uma chamada sob o título Tortura e Chantagem – ou algo parecido, literalmente
transcrevendo um discurso que eu tinha feito, vinte anos antes,
na Câmara, o que causou uma perplexidade muito grande, deixou todo
mundo abismado. O Estado de Minas reproduzia a matéria como coisa
novíssima, como se ninguém tivesse conhecimento daquilo. Questionei

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tal perplexidade, pois aquele discurso datava de 78 ou 79, quando eu denunciara
como membros do que chamei de “triunvirato da tortura”, além
do tenente Paixão, seu superior, o capitão Gomes Carneiro e Afonso Paulino.
A última vez que Paulino me ameaçou foi em fevereiro daquele
mesmo ano, depois da publicação. Recebi vários recados dele, que eu já
tinha vivido muito tempo e que a qualquer hora dessas ia me acontecer
o pior. Ouvi, e tenho a impressão de que vou morrer de morte morrida
mesmo. A partir das denúncias, os militares começaram a ver que Paulino
estava abusando. Pensaram, certamente: “Esse cara está utilizando as
credenciais que demos a ele para nos ajudar, com outro fito, o de enriquecer,
violentar consciências, torturar, obter vantagens”. E cortaram as
credenciais.
Na eleição para presidente do Clube Atlético Mineiro, centenas
de cópias de meu discurso foram distribuídas aos conselheiros, mas
mesmo assim ele conseguiu ser eleito. Não quero gastar meu tempo falando
desse indivíduo. É gastar muita pólvora com ximango. Só gostaria
de acrescentar que ele sempre disse que ia me processar e nunca processou.
Gostaria muito que o fizesse, eu ia poder provar tudo contra ele.
Tenho toda a documentação para isso. Guardo tudo. Quem sabe, um dia
ele realmente me processa e vou fazer então a exceção da verdade.
(*) “O caso do Paixão Araújo talvez tenha sido único exemplo de um
torturador comparecer espontaneamente à Veja, que aliás é um grande veículo
de imprensa – e declarar nomes de torturados, técnicas de tortura, o gosto
com que ele praticava aquilo, numa atitude que me pareceu de um verdadeiro
insano mental, aliás impressão que eu tinha dele dos tempos em que advogava
para presos políticos. Então, quando ele apareceu confessando tudo, o Estado
de Minas, reproduziu as denúncias que eu havia apresentado na Câmara dos
Deputados vinte anos antes, em 1978 ou 79. O Nilmário Miranda e eu trocamos
muitas ideias e ele levantou um ponto de vista interessante. É que, se o
Paixão Araújo estava realmente anistiado pela prática dos crimes, do crime
de tortura, ele estava incidindo em outro crime, a apologia dos atos de delinquência,
a apologia da própria tortura, o que não era previsto pela legislação.
Portanto ele não poderia ser punido pela tortura, mas poderia ser processado
pela apologia dela. Esta posição sui generis do Nilmário Miranda poderia ser
levada adiante, por ter embasamento jurídico.
(esclarecimento de Genival).

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