terça-feira, 3 de setembro de 2013

DOIS IRMÃOS ANTÍPODAS

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Mário e Darcy, dois irmãos antípodas, por um desses mistérios da
natureza, se integravam num amor fraternal profundo. O primeiro, extremamente
apegado à família, também aos amigos que possuía às mancheias
e com prole numerosíssima, fincado no solo montes-clarense tão
profundamente quanto as aroeiras do Sítio Tira Teima. Para o primeiro,
o centro do universo era Montes Claros, numa relação de gravitação equivalente
à do sol e do planeta Terra. Despojado de qualquer dose de vaidade,
era arrojado, inventivo, empreendedor, partícipe de tudo o que
ocorria na sua cidade e de poucas ao redor, também por ele estimadas,
mas nunca como Montes Claros: Bocaiuva, Brasília de Minas, Janaúba,
Coração de Jesus (terra dos seus antepassados), Januária e Pirapora. Por
Belo Horizonte, onde estudou vários anos, teve presença marcante no
mundo estudantil (Mário Comunista), muito presente aos seus acontecimentos
políticos e aos ocorridos na Associação Médica, depois na Secretaria
de Estado do Trabalho e, durante bom tempo, do quarto andar
do Automóvel Clube (salão do pôquer). Tinha grande apego aos gerais
do norte, mais com sua rainha Montes Claros. Acima de tudo, no seu
amálgama de sentimentos, sobressaía-se a capacidade de não guardar
rancor, de tudo perdoar. Seus amigos íntimos e seus familiares bem sabemos
pelo que passou nos dias que se seguiram a 1º de abril de 1964.
Nenhuma reminiscência rancorosa, para tudo uma palavra de desculpa
ou explicação, era assim que agia. Já Darcy, explosão da mais intensa
intelectualidade, cidadão do mundo, autor do discurso de posse de Salvador
Allende, figura influentíssima junto ao General Alvarado (Peru),
cuja presença ia da Sorbonne (doutor “honoris causa”) aos índios brasileiros
e esquimós do Canadá, monoglota, pouco se importando com línguas
outras (“quem fala línguas é marinheiro ou porteiro de hotel”), dono
de obra vastíssima e diversificada. Montes Claros constituía mero acidente
em sua vida múltipla, só o lugar onde nasceu. Filho, nenhum. Ci-

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dadão do mundo, em termos de Brasil, o Rio de Janeiro era sua paixão.
Ficava fera ao ouvir crítica qualquer ao Rio. Recordo-me de um programa
de televisão em que seu interlocutor exagerava a violência da cidade,
ouvindo a fulminante réplica: “E São Paulo (terra do interlocutor)
que tem mais que isso, além de ser cercada por um rio de merda e
bosta?”. (referia-se ao Tietê). A imprensa nacional, embora carinhosamente,
criou o neologismo “darcisista” (misto de Darcy e narcisismo)
para qualificá-lo. Amigos em Montes Claros, uns poucos. A maioria meramente
histórica. Apegado, no entanto, talvez ao mais simples de todos,
por ele chamado de Zé do Catão (Prates), o popularíssimo, querido e
inesquecível Zé Paraíso, da minha infância, mocidade e maturidade.
Numa rápida frase Mário punha a claro o antipodismo existente
entre os dois: “os dias mais felizes de minha vida são os em que Darcy
chega e parte (de Montes Claros)”. Dois irmãos tão diferentes que se
completavam para honra e glória da minha Montes Claros.
Belo Horizonte, 09 de março de 2007.
Genival Tourinho.

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