segunda-feira, 2 de setembro de 2013

GEISEL VISTO POR GENIVAL

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Foi em discurso na Câmara Federal que, com inaudita e marcante
franqueza, numa entrevista coletiva, Genival repetiu conceitos emitidos
sobre Geisel, Recapitula:
– Foi o Jornal do Brasil que começou com o negócio de cadeira giratória
em entrevistas. Na televisão tem até um programa, o Roda Viva,
que de vez em quando vejo. Originou-se, aliás, de programas semelhantes
em outras emissoras. (O Roda Viva, criado pela TV Cultura, estreou
em 29 de setembro de 1986 e continua, com sucesso, no ar). Um belo
dia fui entrevistado, era pergunta daqui, dali, dacolá, um negócio de baratinar
qualquer cuca. De repente, de inopinado, houve um momento em
que me perguntaram:
“General Geisel?”
Respondi:
– Não gosto, tenho por ele profunda antipatia. E fui por aí afora,
sentando o pau no Geisel. No dia seguinte, fui normalmente à Câmara.
Eu não passava pela porta principal, geralmente passava pelo anexo dois
e ia direto para o gabinete do Tancredo, que ficava em cima de uma daquelas
comissões. Tancredo tinha tratamento diverso do que recebíamos
os outros deputados. O que era mais que certo, o homem havia sido Primeiro-
Ministro e era figura já historicamente consagrada. Quando entrei,
travamos rapidíssimo diálogo. Ele perguntou:
“Você passou pela portaria principal?”
– Não, passei por onde sempre passo, por aqui.
“Então você vai fazer o seguinte: não assista à sessão de hoje, vá
para casa, vou mandar gravar para você o que vai acontecer no comunicado
de liderança. Depois você resolve se vai se defender ou não.”
Nisso ouvi as palavras do ritual de abertura: “Com a Graça de Deus,
declaro aberta a septuagésima – sei lá qual – sessão da Câmara dos De-

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putados. Com a palavra, para um comunicado urgente, o líder Eduardo
Galil”.
O deputado, do Rio de Janeiro, estava dizendo que a liderança recebera
ordens do palácio do governo para repudiar as declarações, tidas
como altamente injuriosas e desrespeitosas do deputado Genival Tourinho
sobre o Presidente Ernesto Geisel. Enquanto ele discursava saí correndo,
porque a comunicação de liderança era apenas de cinco minutos,
e deixei o Tancredo falando sozinho, “espera, espera”, enquanto eu saía
correndo, para responder. Quando cheguei à porta do plenário da Câmara,
o deputado, já terminando o discurso, insistia: “não, senhor presidente,
senhores deputados. Acredito que a imprensa tenha se equivocado, não
posso acreditar”, nisso me dando a oportunidade. Pedi a palavra, pela
ordem, e o presidente da Câmara relutou. Eu então disse: “o artigo tal do
regimento interno me dá o direito de resposta, de vez que fui citado nominalmente”.
Marco Maciel, que presidia a sessão, ouviu seu assessor e
me deu a palavra. Quando subia na tribuna, pensei: “vou dar uma gozeira
nesse pessoal”.
Então, comecei:
– Sr. presidente, srs. deputados. Realmente, na azáfama das nossas
vidas, como bem disse o ilustre deputado que aqui me antecedeu, muitas
vezes as palavras não são bem entendidas pela imprensa, porque em nenhum
momento das minhas declarações falei que não tinha nenhuma simpatia
pelo Presidente Geisel, porque aceitei por norma de vida nunca
utilizar a forma negativa, sempre utilizei a forma positiva de falar. O que
disse à imprensa é que tinha pelo presidente uma profunda antipatia. Aí,
continuei: antipatia por isto, por isso, por aquilo. Um brasileiro que foi alfabetizado
aos onze anos de idade, que aprendeu a falar alemão antes de
falar português e, brasileiro de primeira geração, não tendo nada do sentimento
de brasilidade, seguidor de uma igreja minoritária e altamente intolerante,
é esse o luterano que foi imposto à nação. E fui por aí, descendo a
borduna. E todo mundo, à boca pequena: “está cassado, está cassado”.
Quando me retirei, passei de novo pelo gabinete. Tancredo não sabia
onde punha a mão (ele, quando nervoso, sempre mantinha as mãos ocupadas,
de preferência segurando e mesmo mordendo a gravata, que não
largava até se acalmar): “eu queria que você fosse embora para casa para
não fazer o que fez. Você está provocando, está cutucando a onça com
vara curta”.
Naquela semana e na seguinte não se falou em outra coisa. O assunto
tomou a imprensa, deu manchete nos principais jornais do País,

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aqui em Minas, em todos os lugares. Os deputados se lembram disso porque
acharam que eu ia recuar, o que não aconteceu. Uma vez mais não
conseguiram abaixar minha cabeça.
No início de 78, quando foi confirmado o nome do general João Batista
de Figueiredo como candidato oficial à presidência da república,
aumentaram as dissidências no interior do governo. O chefe do gabinete
civil, general Hugo Abreu, discordando da forma como foi encaminhada
a questão, o que considerava uma imposição do presidente (Geisel), apresentou
a ele seu pedido de exoneração. Paralelamente, num movimento
que objetivava reunir setores civis e militares de oposição, criou-se uma
Frente Nacional de Redemocratização, pela qual foi lançada a candidatura
de Magalhães Pinto.
Aqui, Genival esclarece:
– Eu me lembro de que fizemos, naquela ocasião, seguidas reuniões
políticas das quais participava inclusive o Tancredo e a gente percebia o
visível mal-estar que existia entre ele e o Magalhães Pinto. Acho até que
em decorrência da derrota em 61, aquele mal-estar continuou. O fato é
que, entre Magalhães e Euler Bentes, eu me decidi logo, de pronto. Na
nova condição política que se criava e que se denominou Frente Nacional
de Redemocratização, à qual eu pertencia, entendi que o candidato tinha
de ser o Magalhães Pinto. Primeiro, era mineiro. Segundo, eu já sentia
nele traços grandes de repúdio ao regime militar, tanto assim que não demorou
muito e fundamos (eu, ainda que figura menor, também participei
da fundação) o Partido Popular, congregando Tancredo, Magalhães Pinto,
Renato Azeredo, Silvio Abreu, a mim e muita gente, enquanto outros
companheiros já se fixavam no PMDB. Naquela ocasião, repito, sentia
que Magalhães, não aceitando mais as imposições da ditadura, conspirava
contra o regime militar. Por outro lado, o general Hugo Abreu começava
a tramar contra, pois também ele não concordava com o
autoritarismo com que o Geisel agia no episódio.
A respeito, o Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, do Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CPDOC/FGV – obra publicada pela Editora FGV, registra:
“Durante todo o ano de 1977 verificaram-se manifestações de descontentamento
no interior das forças que tradicionalmente vinham
apoiando o regime instalado em 1964. Assim, em fevereiro de 1977, Se-

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vero Gomes foi exonerado do Ministério da Indústria e Comércio, por
suas críticas à orientação econômica do governo. No próprio partido governista,
a Arena, o senador mineiro José de Magalhães Pinto lançara-se
como candidato civil à sucessão do Presidente Geisel, fundando em maio
daquele ano a Frente Nacional pela Redemocratização, movimento que
objetivava reunir setores civis e militares de oposição ao governo, que
teve em Euler Bentes uma de suas primeiras adesões. No início de janeiro
de 78, quando foi confirmado o nome do chefe do SNI, João Batista de
Figueiredo como candidato oficial à presidência da república, as dissidências
no interior do governo se acentuaram ainda mais. Na ocasião o
chefe do gabinete civil da presidência da república, general Hugo Abreu,
apresentou sua exoneração ao Presidente Geisel por discordar da forma
como havia sido encaminhada a sucessão presidencial, a qual considerava
uma imposição do presidente, em detrimento da orientação fixada
pelo regime de 64, que reclamava um nome consensual às forças armadas.
A partir de então, setores dissidentes da forças armadas passaram a
se empenhar na articulação de uma candidatura alternativa à de Figueiredo.
A candidatura de Magalhães Pinto, além de ter ficado isolada em
seu próprio partido, não conseguiu a adesão do MDB. Ao mesmo tempo
a candidatura de Euler Bentes passou a ser articulada pelo ex-ministro
Severo Gomes despertando as simpatias dos mais variados setores do cenário
político: dissidentes da Arena, representantes do MDB, empresários
e militares. Como o nome de Magalhães Pinto não conseguiu se firmar,
o de Euler Bentes ganhasse força e, ainda assim, o senador insistisse em
manter sua candidatura, foram necessárias várias negociações até que
ambos entrassem num acordo. Destacou-se nesse processo o general
Hugo Abreu, que acabara de ser transferido para a reserva – como mediador
entre os candidatos – acabando por convencer Magalhães Pinto a
abrir mão de sua candidatura a favor da do general. Então, no dia 23 de
agosto, realizou-se a convenção nacional do MDB, e nela foram feitas
duas votações: uma, que decidiu a participação do partido no Colégio
Eleitoral, a 15 de outubro, e outra que homologou a chapa formada por
Euler Bentes e o senador gaúcho Paulo Brossard, candidatos à presidência
e vice-presidência da república respectivamente, em oposição aos
candidatos arenistas João Figueiredo e Aureliano Chaves, então interventor
em Minas Gerais, escolhidos em abril. No entanto, no início de
outubro, o partido oposicionista se mostrava cada vez mais dividido em
torno da questão da viabilidade ou não de uma candidatura alternativa.
Alguns consideravam que seria um desgaste para o partido apresentá-la,
Genival Tourinho 1_Layout 3 09/04/2012 12:09 Page 367
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enquanto outros chegavam a ser contra a participação do MDB no Colégio
Eleitoral. Para resolver a controvérsia foi necessária a realização de
uma sigilosa reunião da executiva nacional do partido junto a Euler Bentes,
no dia 10 de outubro, quando ficou decidido que as candidaturas seriam
definitivamente mantidas. Nas eleições realizadas no dia 15 de
outubro de 1978 saíram vitoriosos os candidatos da situação, que obtiveram
355 votos contra 226 dados à chapa Euler-Brossard. No dia 18 de
abril de 1979, após a posse do novo governo, foi divulgado pela imprensa
um documento reivindicando a convocação urgente de uma assembleia
nacional constituinte que reimplantasse o estado de direito no País, assinado
por Euler Bentes e por empresários, intelectuais, políticos da oposição
e líderes sindicais. Desde então, Bentes se afastou da vida pública
nacional.”
Ainda uma vez, Genival complementa:
– Entendo que foi exatamente nesse momento que a ditadura começou
a se diluir. O princípio do fim do regime militar começou precisamente
nessa hora, porque logo em seguida, no processo de distensão, nós
pudemos fundar legendas novas. Assim foi, por exemplo, que Tancredo
tentou formar o PP com Magalhães Pinto. Entretanto, percebendo que o
PP era inviável, resolveu anexar o PP ao PMDB e lançou-se, com todo
vigor, candidato ao governo de Minas pelo PMDB. Franco Montoro,
também do PP, participou de muitas outras reuniões. O PP acabou anexado.
Elegemos o Montoro, o Tancredo, e vários governadores, botando
fim à ditadura militar. Eu, mesmo sem ser líder, participei muito ativamente,
estive presente em todos esses movimentos, fazendo parte de reuniões
não só com o general Euler Bentes quanto de outras em que estava
presente o general Hugo de Abreu. O clima já era de ampla conspiração
contra o governo do Figueiredo. O poder, a contragosto, ruminou o resultado
das eleições de 76.

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