terça-feira, 3 de setembro de 2013

UMA PAUSA PARA DARCY E MÁRIO RIBEIRO

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Nome de projeção internacional, Darcy é grata e eterna lembrança
dos conterrâneos, que lhe preservam a memória, concomitantemente com
a do irmão Mário Ribeiro, menos esplendorosa e bem mais urbana, não
menos montes-clarense. A respeito, esclarece Genival:
– O fotógrafo oficial da Municipalidade ao tempo em que Marão
(Mário Ribeiro) era prefeito está prestes a editar um livro com inúmeras
fotografias do saudoso amigo alcaide acompanhado de Darcy Ribeiro e
outras pessoas, num verdadeiro estudo fotográfico dos dois irmãos. Alguns
amigos dos dois, dentre os quais minha pessoa, fomos convidados
a nos manifestar sobre o estudo, bem como sobre o título “Dois Irmãos”.
O que se lê a seguir é a crônica elaborada por mim a ser publicada em
breve no referido estudo em forma de livro.

DOIS IRMÃOS ANTÍPODAS

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Mário e Darcy, dois irmãos antípodas, por um desses mistérios da
natureza, se integravam num amor fraternal profundo. O primeiro, extremamente
apegado à família, também aos amigos que possuía às mancheias
e com prole numerosíssima, fincado no solo montes-clarense tão
profundamente quanto as aroeiras do Sítio Tira Teima. Para o primeiro,
o centro do universo era Montes Claros, numa relação de gravitação equivalente
à do sol e do planeta Terra. Despojado de qualquer dose de vaidade,
era arrojado, inventivo, empreendedor, partícipe de tudo o que
ocorria na sua cidade e de poucas ao redor, também por ele estimadas,
mas nunca como Montes Claros: Bocaiuva, Brasília de Minas, Janaúba,
Coração de Jesus (terra dos seus antepassados), Januária e Pirapora. Por
Belo Horizonte, onde estudou vários anos, teve presença marcante no
mundo estudantil (Mário Comunista), muito presente aos seus acontecimentos
políticos e aos ocorridos na Associação Médica, depois na Secretaria
de Estado do Trabalho e, durante bom tempo, do quarto andar
do Automóvel Clube (salão do pôquer). Tinha grande apego aos gerais
do norte, mais com sua rainha Montes Claros. Acima de tudo, no seu
amálgama de sentimentos, sobressaía-se a capacidade de não guardar
rancor, de tudo perdoar. Seus amigos íntimos e seus familiares bem sabemos
pelo que passou nos dias que se seguiram a 1º de abril de 1964.
Nenhuma reminiscência rancorosa, para tudo uma palavra de desculpa
ou explicação, era assim que agia. Já Darcy, explosão da mais intensa
intelectualidade, cidadão do mundo, autor do discurso de posse de Salvador
Allende, figura influentíssima junto ao General Alvarado (Peru),
cuja presença ia da Sorbonne (doutor “honoris causa”) aos índios brasileiros
e esquimós do Canadá, monoglota, pouco se importando com línguas
outras (“quem fala línguas é marinheiro ou porteiro de hotel”), dono
de obra vastíssima e diversificada. Montes Claros constituía mero acidente
em sua vida múltipla, só o lugar onde nasceu. Filho, nenhum. Ci-

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dadão do mundo, em termos de Brasil, o Rio de Janeiro era sua paixão.
Ficava fera ao ouvir crítica qualquer ao Rio. Recordo-me de um programa
de televisão em que seu interlocutor exagerava a violência da cidade,
ouvindo a fulminante réplica: “E São Paulo (terra do interlocutor)
que tem mais que isso, além de ser cercada por um rio de merda e
bosta?”. (referia-se ao Tietê). A imprensa nacional, embora carinhosamente,
criou o neologismo “darcisista” (misto de Darcy e narcisismo)
para qualificá-lo. Amigos em Montes Claros, uns poucos. A maioria meramente
histórica. Apegado, no entanto, talvez ao mais simples de todos,
por ele chamado de Zé do Catão (Prates), o popularíssimo, querido e
inesquecível Zé Paraíso, da minha infância, mocidade e maturidade.
Numa rápida frase Mário punha a claro o antipodismo existente
entre os dois: “os dias mais felizes de minha vida são os em que Darcy
chega e parte (de Montes Claros)”. Dois irmãos tão diferentes que se
completavam para honra e glória da minha Montes Claros.
Belo Horizonte, 09 de março de 2007.
Genival Tourinho.

O QUE POUCOS SABEM

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Na sessão de nove de março de 77, na iminência do processo de
estatização, Genival lembrou a ação alienígena nos bastidores do
golpe. Os mesmos interessados em reduzir nossa soberania articulavam
restringir a participação estatal na economia, dando nome de desestatização
a uma verdadeira desnacionalização. Mas, “o cognome
não mudou a semântica”, ensina judiciosamente. Lembrou haver requerido
à Câmara desarquivamento dos autos e do relatório da CPI
que investigara atividades do “Ibad”, “Ipes” e da “Ação Democrática”.
Criada em 63 a CPI, tivera Pedro Aleixo como relator. A ela cumpria
esclarecer a atuação de órgãos ligados às multinacionais e seu papel
no golpe de 64. Em dezembro, o resultado do inquérito foi aprovado.
Mostrava que a maioria dos diretores do “Ibad” e ‘Ipes” pressionara
grupos econômicos com o discurso de impedir o crescimento do comunismo
no Brasil. Captando-lhes simpatia e confiança, obtiveram
vultosas quantias que manuseavam sem prestação de contas. A CPI foi
posteriormente arquivada pelo governo militar.
Mais de vinte anos depois, Genival enfatiza:
– O Ibad foi um órgão que financiou pesadamente as eleições de
deputados fiéis aos interesses americanos. Em sua retaguarda existia um
tal de Hasslocher, uma figura meio mítica, nunca se conseguiu descobrir
na época quem era. Os bancos distribuíam dinheiro a mancheias para determinados
candidatos que se opunham a Jango, à reforma agrária, e muitos
deles estavam na Câmara quando requeri o desarquivamento. O
requerimento da CPI sobre o Ibad teve autoria do José Aparecido de Oliveira.
Foi aquele corre-corre, muita gente pedindo para eu desistir, inclusive
gente do nosso próprio partido, porque o partido era tido como
sendo financiado. Isso deu muito barulho, deu muita notícia na imprensa
na ocasião, mas no final das contas não foi possível o desarquivamento

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porque sumiram com toda a documentação. Aparecia apenas o requerimento
e seu encaminhamento para uma comissão da Câmara.
Foi o historiador e cientista político uruguaio René Armand Dreifuss,
naturalizado brasileiro, quem batizou de “Complexo Ibad/Ipes” o
esquema golpista patrocinado, dentre inúmeros interessados, também
pela CIA, a conhecida e temida “Central Intelligence Agency”. O complexo
nababescamente financiou algumas dezenas de candidatos direitistas
a postos eletivos na ocasião, uma fortuna havendo sido gasta. Há
até hoje uma controvérsia muito grande a respeito de seu fundador, o já
citado Hasslocher, e muita gente não sabe bem quem foi esse cidadão, o
homem que gerenciou os milhões de dólares fartamente despejados no
financiamento das campanhas apoiadas pelo complexo. O Instituto Brasileiro
de Ação Democrática, “Ibad”, foi uma escabrosa organização anticomunista
fundada em maio de 1959 pelo economista Ivan Hasslocher.
O objetivo era influenciar nos debates econômico/político/sociais do País
por meio da ação publicitária e política. Para apoio logístico, Hasslocher
usava uma empresa, a “Incrementadora de Vendas Promotion”. Ao lado
dele, vários empresários brasileiros e estadunidenses, com polpudas contribuições,
fariam parte dessa organização e de sua entidade irmã, o Instituto
de Pesquisas e Ações Sociais, “Ipes”, constituído dois anos e meio
depois, e cuja finalidade inicial era combater o estilo populista de JK e
possíveis vestígios da influência do comunismo no Brasil. Fundado em
dezembro de 1961 por Augusto Trajano de Azevedo Antunes (ligado à
Caemi) e Antônio Galotti (ligado à Light), o Ipes serviu como dos principais
catalisadores do pensamento antiGoulart. Encabeçando o rol de
doadores, ainda integrado por cerca de trezentas empresas de menor
porte, além de diversas entidades de classe, os cinco maiores financiadores
foram: Refinaria União, Cruzeiro do Sul, Light, Incomi e Listas
Telefônicas Brasileiras. O Ipes desapareceu em 1972, quando seus propósitos
pareciam ter sido cumpridos e o AI-5 parecia ter controlado todos
os focos de manifestação antidireita do País. Tinha estrutura idêntica à
de sua coirmã já citada.
No Ibad, Hasslocher recebia doações de quase uma centena de contribuintes
para combater Jango e formar células golpistas de militares,
trabalhadores e estudantes. A Ação Democrática Popular, Adep, subsidiária
do Ibad, centralizava contribuições. Segundo o ex-agente da CIA,
Philip Agee, os fundos provenientes de fontes estrangeiras foram utilizados
na campanha de oito candidatos a governador nos onze estados
onde houve eleições, e em apoio a quinze postulantes ao Senado, du-

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zentos e cinquenta à Câmara Federal e a mais de quinhentos às assembleias
legislativas. Multinacionais americanas ajudaram até com 5 milhões
de dólares – uma fortuna para a época, segundo calculou em 1977
o ex-embaixador do Brasil Lincoln Gordon. Hasslocher usava a já citada
“Promotion” para coordenar as ações financeiras e também fazer seu
pé-de-meia. O caso levou a uma CPI, aliás duas. A primeira fracassou
com a descoberta de que seu presidente e seu relator haviam sido financiados
pelo dinheiro de Hasslocher. Em 1963, deu numa segunda CPI,
presidida pelo então deputado Ulysses Guimarães. À primeira notícia
da investigação, Hasslocher mandou-se para o exterior. Em 1965, dois
anos após vir a público o escândalo em que se descobriu que arrecadara
quantias impressionantes, sumiu do mapa. Emigrou para Genebra, na
Suíça. Voltou cinco meses depois e exigiu depor como indiciado, descompromissado
de voto com a verdade. Dele se sabe que, até há poucos
anos, vivia folgadamente em Londres, dando-se ao luxo de fugir do inverno
europeu para sua casa no Texas, onde a temperatura é mais elevada.
Em entrevista concedida em 1998 à Folha de S.Paulo, o general
aposentado Hélio Ibiapina revelou que o Ibad possuía ligações com a
CIA e que ele fora encarregado pelo general Castelo Branco de confirmar
a veracidade da informação. O instituto acabou sendo extinto em dezembro
de 1963 por ordem judicial. Ibad e Ipes patrocinaram livros e ainda
financiaram, produziram e difundiram uma enorme quantidade de documentários
e programas de rádio e televisão, além de matérias nos jornais,
tudo com forte conteúdo anticomunista. As duas entidades contribuíram
decisivamente na oposição ao governo João Goulart, fato crucial para o
êxito do golpe militar de 64. Muitas das radionovelas, filmes de cinema
e programas de televisão da época tinham mensagens explícitas e implícitas
para absorção, pelos brasileiros, dos valores estadunidenses. Ademais,
toda a mídia corporativa brasileira se comprometeu com o projeto
golpista do complexo.
O José Aparecido de Oliveira, preocupado com o vasto noticiário e
provas evidentes levadas a ele pelo ex-governador de Pernambuco, Miguel
Arraes, requereu inquérito parlamentar sobre a matéria. Esse inquérito
parlamentar foi requerido ao Ulysses Guimarães, então presidente
da Câmara dos Deputados e foi designado relator o Dr. Pedro Aleixo, deputado.
Convocado como testemunha, Ivan Hasslocher recusou-se a
depor nessa condição. Ele não queria assinar o termo e pediu para ser
ouvido como indiciado. O relator, Pedro Aleixo, considerou que não

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havia como incluí-lo na condição de indiciado, citando o Código de Processo
Penal, até hoje em vigor, que prevê a figura da “testemunha informante”,
que não é obrigada a prestar compromisso de dizer a verdade.
Finalizando, o Ibad foi criado em 1959, mas só intensifica suas atividades
a partir de 1962, gerenciado diretamente pela CIA, que o abastecia
de forma generosa. O Ipes foi fundado em 1961, por empresários
do eixo Rio-S.Paulo. A partir do complexo Ipes/Ibad, surge a ADP (Associação
Democrática Parlamentar), grupo que atuava no congresso federal
e que tinha, entre seus membros, deputados, senadores da UDN
(praticamente todos dessa legenda), boa parte do PSD, e mesmo alguns
deputados do PTB. No âmbito estadual atuava a Adep (Associação Democrática
Estadual Parlamentar). Os membros da ADP e da Adep recebiam
fundos generosos do Ipes/Ibad. O complexo participou ativamente
das eleições de 1962, financiando políticos alinhados com suas propostas
ideológicas. Esses institutos estiveram diretamente envolvidos no golpe
de 64. Após o golpe, os arquivos do Ipes/Ibad foram fornecidos a Golbery
do Couto e Silva, e ajudariam a formar o acervo de informações do SNI.
Os fichários (cerca de três mil dossiês), com informações das principais
lideranças políticas, sindicais e empresariais do País foram absorvidos
pelo serviço, que seria uma agência de informações para o governo,
transmitindo-lhe fatos reais, eis que a verdade das coisas tem sido sempre
mascarada para os detentores do poder, o que lhes é muito agradável. Eu
já tive poder e sei muito bem disso. Tinha profundo nojo, asco verdadeiramente,
de quem me puxasse o saco. O Golbery fundou o SNI para ser
um órgão que levasse ao presidente a realidade, e o que dele pensava o
povo, quais as medidas que eram impopulares, por que eram impopulares,
e quais os interesses que estavam sendo contemplados. Não foi o
que aconteceu. Por isso que o Golbery, no final de vida, profundamente
frustrado, dizia para quem quisesse ouvir, e eu fui um dos que escutou,
de viva voz, a queixa sempre repetida: “eu quis fazer uma coisa muito
boa e terminei criando um monstro que acabou acolhedouro de dedosduros,
figuras da pior espécie da política nacional”. Quando não praticavam,
permitiam e até incentivavam a prática dos mais violentos
processos de repressão, tortura e tudo o que paralelamente se possa conceber.
Cumpre acrescentar que o complexo exportou seus conhecimentos
para os demais países da América Latina, e seus congêneres estiveram
presentes em golpes na Bolívia, Chile, Uruguai e Argentina. Hoje, registre-
se como curiosidade, a sigla Ibad designa o Instituto Brasileiro das
Assembleias de Deus. Pois bem, o inquérito a que acima aludi, após o

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golpe de 64 foi sumariamente arquivado, convenientemente escondendo
os nomes de deputados, senadores e mesmo governadores financiados
pelo Ibad/Ipes. Eu, em meu primeiro mandato, requeri o desarquivamento
disso. Foi um verdadeiro deus-nos-acuda, porque tinha um mundo
de gente que havia sido financiada por esses institutos, foi um corre-corre
tremendo, e no final das contas o meu pedido de abertura em peças do
inquérito foi também arquivado sumariamente. Quero sublinhar que a
campanha eleitoral de 62 foi marcada pela extrema radicalização e intervenção
direta do poder econômico – inclusive de empresas multinacionais,
de bancos estrangeiros e da própria embaixada dos Estados
Unidos, através da CIA.
A verdade é que a ditadura colocou uma pedra sobre o assunto, para
proteger parlamentares de sua base política, beneficiados pelo Ibad. Interferiu
inclusive ao ponto de o relatório elaborado pelo mais tarde vicepresidente
Pedro Aleixo ser arquivado independentemente de sua
apreciação pelo plenário da Câmara Federal.
A respeito, diz Fernando Coelho, no livro “DIREITA, VOLVER –
O Golpe de 1964 em Pernambuco”:
“Tendo sido a matéria constante do projeto de resolução nº 35/63
arquivada em 01.12.1969, sem que tivesse sido apreciada pelo plenário
da Câmara Federal (Diário do Congresso Nacional de 01.12.1969, pág.
751), em 09.03.1977, o deputado Genival Tourinho, do MDB de Minas
Gerais, requereu o seu desarquivamento, sendo o pedido indeferido (Diário
do Congresso Nacional de 01.07.1977). Exercendo então o mandato
de deputado federal pelo MDB de Pernambuco, depois de constatar a
proibição de acesso à documentação da CPI, vedada a sua consulta até
aos parlamentares, requeri à mesa da Câmara a publicação do inquérito,
com todos os seus elementos, para conhecimento dos deputados e demais
interessados, a exemplo do que é feito com todas as CPIs. O requerimento
foi indeferido no dia imediato, através de despacho do então presidente
da Câmara, deputado Marco Maciel, comunicado ao autor pelo
ofício GP/071968/77”.

NORTE DE MINAS - A MENINA DOS OLHOS DE GENIVAL

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O ano de 77 foi perverso para a região mineira do polígono das
secas, assolada por duas grandes estiagens. Nada menos que quarenta e
dois municípios tiveram todas as pastagens calcinadas. Genival lembrou
que o governo, com o Pronor, prometia, além da prorrogação de débitos
de pecuaristas, crédito para renovação de pastagens. Uma esperança para
a população atingida. Não passou de outro programa frustrado “deste governo
sob o qual temos a desdita de viver”. A muito duras penas, a Federação
dos Trabalhadores do Campo e a organização que congregava
os fazendeiros conseguiram revigorar o Pronor, mas apenas e tão somente
para prorrogação de débitos. A afirmação do Ministro da Agricultura
Alysson Paulinelli de que o crédito rural, dependendo de medidas complementares
estava implantado, apenas adiava quebra coletiva. Genival
apelou, pois, às autoridades competentes para que restabelecessem cabalmente
o Pronor, que ainda, e por cima, impunha novas restrições, severamente
condenadas, à política de crédito rural.
– (...) Depois do desempenho extraordinário da agricultura brasileira
no ano passado, parece que exatamente como castigo, começou-se a política
de restrição creditícia. Os agricultores da minha região vivem completamente
apavorados. Depois de dois anos de seca inclemente, a classe
empresarial rural do Norte de Minas Gerais conseguiu, num esforço inaudito,
recuperar suas pastagens, e as recuperou para nada, porque todo o
rebanho daquela região desapareceu, dizimado pela seca ou vendido por
motivo do aperto financeiro dos fazendeiros. E não houve qualquer possibilidade
de reposição desse rebanho. (...) É necessário incentivar esse
homem glorioso, que luta, derruba florestas, planta, amaina a terra com
suas mãos, regando-a com o suor de seu rosto e que, em consequência,
ouve sandices imensas, sem qualquer sentido, como as proferidas ontem
pelo sr. Ministro da Agricultura. Mais uma vez lamento que o sr. Ministro

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Alysson Paulinelli não tenha tido o vigor da gente das Minas Gerais para,
já que não pode fazer nada, anunciar que o Ministério da Agricultura
nada resolve e que se, de uma hora para outra for extinto, nenhum produtor
rural deste País sentirá sua falta.
(DCN, 01/jun/78, pág. 4420).
Mesmo na Câmara, Genival mantinha sob constante observação sua
“menina dos olhos”, o Norte de Minas. De visão abrangente para os problemas
nacionais, tinha olhos de lince para as mazelas de sua região.
Sempre vigilante, denunciou a não liberação dos recursos do Finor
(Fundo de Investimento do Nordeste), com consequente desemprego na
região.
(DCN, 26/nov/77, pág. 12176).
Alertou, de outra feita, para o desvio – por manipulação de interesses
políticos dos prefeitos – de recursos públicos federais destinados aos
flagelados do Vale do São Francisco. Na ocasião, o Ministro do Interior
Mário Andreazza foi à Casa para discutir problemas da seca do Nordeste
e as soluções propostas.
– Interpelei Mário Andreazza naquela reunião da Comissão do Polígono
das Secas sobre a discriminação da área poligonal mineira já que,
por definição legal, os então quarenta e dois municípios do Norte de
Minas eram considerados Nordeste. Ele ficou meio atrapalhado, porque
houve realmente uma segregação de Minas Gerais, fato que, aliás, sempre
ocorreu durante a existência da Sudene. O Norte de Minas, para conseguir
alguma coisa, tinha que ser no berro, tinha que ser no grito. Se o
professor Darcy Bessone, montes-clarense ilustre, não tivesse usado o
prestígio que tinha junto ao Magalhães Pinto para, num trabalho de alta
envergadura logo após o golpe, levar a agência da Sudene para Montes
Claros, eu não sei se algum projeto da Sudene teria sido aprovado. Porque
a Sudene, logo nos primeiros tempos, discriminava abertamente o
Norte de Minas e eu interpelei o Andreazza exatamente por causa dessa
discriminação que ele praticava, autorizando frentes de trabalho, benefícios,
abertura de poços artesianos e outras obras, apenas para o Nordeste
propriamente dito, conhecido como tal geograficamente, e não para o
Nordeste legal, que incluía os quarenta e dois municípios do Norte mineiro.
Os nordestinos nunca acataram a inclusão da área mineira no polígono
das secas na Sudene. Foram obrigados a aceitar, porque na ocasião
era Presidente da República Juscelino Kubitschek. Eles sempre tentaram

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marginalizar nossa região. Os governadores nordestinos se reuniam no
Restaurante Leite, no Recife, e ali também se reunia o conselho da Sudene,
que era composto por eles, os governadores, e meia dúzia de burocratas.
Os burocratas faziam o que os governadores decidiam. Lá, eles
dividiam o bolo sempre com prejuízo de Minas, o que começou a terminar
com a instalação de escritório da Sudene em nosso estado. Depois
disso eu, como deputado, ainda sentia a hostilidade dos nordestinos com
relação aos interesses da área mineira da Sudene.
Relatou, na Comissão do Vale do São Francisco, a preocupação dos
lavradores quanto à construção de barragem na confluência dos rios Paracatu
e Sono e ainda reivindicou a vitalização do DNOCS, em sua opinião,
o órgão público que mais sensibilizara o Norte de Minas.
(DCN, 01/mai/81, págs. 28989/99).
Não deixou, nessa oportunidade, de se referir ao grave problema
dos posseiros do Vale do Jaíba, que se poderia tornar um vulcão social,
não fosse rapidamente equacionado. Lembrou que em 62, o então Governador
Magalhães Pinto, por decreto, e apoiado no art. 171 da Constituição,
determinara que todos os que quisessem trabalhar na terra, mas
não a tivessem, ocupassem a montante do Rio Verde até a margem do
São Francisco. Eram milhares de hectares de terras devolutas. Centenas
de posseiros se deslocaram para lá, fixando-se e começando a trabalhar.
Por manobras, de repente se viram expulsos, ficando a Ruralminas de
posse de todas as terras devolutas.
– Aconteceu, mais uma vez, aquilo que a história do mundo vem
reproduzindo, ou seja, exatamente, a hegemonia dos poderosos: os posseiros
saíram, a terras foram legitimadas em nome de grandes fazendeiros.
Abusos e tropelias foram cometidos contra homens que lá
trabalhavam e de nada valeu o decreto do governador.
(DCN, 20/ago/81, págs. 80533/55).
No início de 78, Genival solicitou a criação de uma CPI na Sudene,
para averiguar aplicação dos incentivos fiscais. Após alguns meses e uns
tantos percalços, a comissão foi finalmente instalada. Na sessão de quatro
de dezembro Genival, como relator, apresentou as principais conclusões:
obrigação de as estatais aumentarem investimentos no Nordeste e vinculação
à lei para liberação de recursos originados de incentivos fiscais.
Outras importantes recomendações foram feitas ainda. Além disso, mos-

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trou o parecer da CPI que aprovava o relatório e as conclusões do relator
adotando o projeto de resolução oferecido, acrescentando sugestões do
deputado Passos Porto.
Finalizou:
– Creiam-me, srs. deputados, que o melhor de nossos esforços, que
o mais vivo idealismo da Comissão Parlamentar de Inquérito, através
dos membros que a compuseram, foi jogado neste trabalho que, imploro,
não seja relegado a um dos escaninhos dos vários ministérios, nem a escaninhos
do executivo, que tudo pode, enquanto esta Casa, na realidade,
nada pode, senão perquirir, senão sugerir, senão investigar e, mais ainda,
trabalhar com bom senso, a bem de nossa gente, do povo que nos elegeu,
do povo que nos mandou para esta casa, na pretensão de que possamos
bem representá-lo. (Muito bem!)
(DCN, 06/jun/79, págs. 5216-5221).
A respeito relembra às entrevistadoras:
– Requeri uma CPI para verificar o funcionamento da Sudene. A
imprensa de Pernambuco começou a me descer o malho, como se nós,
sulistas – eles chamam de sulistas os brasileiros da Bahia para baixo –,
mais uma vez quiséssemos investir contra a Sudene. Pelo contrário, eu
queria abrir a Sudene, já que minha região era beneficiada por ela. Mas
o que eu sentia, era que os benefícios da Sudene não eram muito bem
direcionados. Muitas vezes, determinado empresário que precisava realmente,
não era contemplado. Quis evitar que essas anomalias acontecessem.
Queria, por exemplo, que fosse aprovado, sem ser submetido ao
autoritarismo de então, um projeto bem direcionado, que dava emprego,
benefício social, rentabilidade, e também tivesse os recursos demandados.
E a imprensa pernambucana achava que eu queria acabar com a Sudene.
Depois, quando começou a perceber qual era o meu
posicionamento, ganhei editoriais e mais editoriais do Diário de Pernambuco
elogiando minha atitude. Primeiro, me picharam violentamente.
Depois, quando saí com meu relatório, uma radiografia inteira da Sudene
com seus defeitos e como poderia se aperfeiçoar, passaram aos elogios.
Naquela ocasião a Sudene liberava os recursos e ia atrás dos captadores.
Era dado deságio de 40 a 45% para que a pessoa fosse aplicar seu dinheiro
naquele projeto que fosse de seu interesse. Quando veio o “Finor”
isso acabou. Então, ressalto, uma das primeiras vezes em que se falou
no “Finor”, como um modo de evitar essa comercialização, como evitar
o deságio acentuado na aquisição de ações de empresas aprovadas pela

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Sudene, foi exatamente nesse relatório. Ouvimos presidentes e ex-presidentes
da Sudene. Tentei o Celso Furtado. Era um ato meio audacioso
chamá-lo, um nome maldito, mas eu o convidei para a CPI. Declinou do
convite, dizendo que talvez sua presença até provocasse fatos que inutilizariam
o propósito que eu tinha. Lembro-me, por exemplo, de que uma
vez, na Comissão de Educação e Cultura, sugeri levar o Darcy Ribeiro,
que tinha voltado do exílio da primeira vez. As pessoas tapavam os ouvidos,
botavam a mão na cabeça, como se aquilo fosse uma loucura, o
diabo, que eu estava fazendo blague. Eu dizia: estou falando sério. Já
que vocês estão preocupados falando mesmo em ressuscitar aquele pernambucano,
Paulo Freire, se para ele não tem condição, o Darcy Ribeiro
está aí, por que não chamá-lo? Foi um pânico completo na comissão.
Depois o presidente mandou cortar toda e qualquer alusão ao nome
e à sugestão que fiz. A CPI ajudou muito a mudar o sistema de captação
de recursos, em que o que ia tomar dinheiro, vender ações para a empresa,
muitas vezes trabalhava com deságio de 40, 50% para vender suas
ações. Estavam todos descapitalizados. Essa CPI levou à conclusão de
que a Sudene teria que reformar seu modelo financeiro e em função dela
e de outros fatores é que se estabeleceu o “Finor”, que era outra forma
de financiamento. Entre outras, uma das coisas que o Finor adotou, como
meio de captação de recursos, foi o leilão.
Incansável na luta pelo desenvolvimento do Norte de Minas, pediu
certa vez a palavra para transmitir as graves denúncias feitas por José
Raimundo Gitirana, vereador e líder do MDB em Pirapora, contra a administração
local. A cidade era então o segundo polo industrial da região,
rivalizava com Montes Claros no processo de captação de recursos da
Sudene. As denúncias, em parte publicadas no Jornal de Minas, iam
desde a dilapidação do patrimônio público da cidade até o ambiente de
absoluta intimidação imposto à população pelo chefe de gabinete do prefeito.
Genival veementemente apelou ao Ministério da Justiça para que
tomasse providências em relação àqueles sérios problemas que atormentavam
o município.
(DCN, 03/jun/78, págs. 4514/15).
De outra feita, expôs na tribuna irregularidades na aplicação de recursos
para financiamento de pequenas e médias empresas nas áreas da
Sudene e da Sudam. O Plano de Ações Conjuntas – PAC – e o Financiamento
de Acionistas – Finac –, criados pelo BNDE, afirmou, foram de

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tal forma manipulados pelos bancos de investimento, que as pequenas e
médias empresas deixaram de ser beneficiadas. Em decorrência, acrescentou,
dava entrada a requerimento de informações sobre o emprego de
recursos do PAC 78/41. Pretendia, em razão disso, trazer o presidente do
BNDE para explicações.
(DCN, 09/nov /79, pág. 12799).
Quando a Sudene completou vinte anos, em sessão a que compareceram
o superintendente do órgão e outras autoridades, Genival, em discurso
como de hábito improvisado, prestou homenagem a JK, lembrando
que a entidade fora criada em seu governo, quando então se cristalizaram
“o sonho e as esperanças de milhares de brasileiros que se vinham batendo
em favor de providências tendentes a desconcentrar o progresso
da nação, fazendo com que o desenvolvimento atingisse o Nordeste para
beneficiar sua enorme população”. Ao ensejo apresentou profunda e detalhada
análise da atuação da Sudene ao longo dos anos, relacionando os
objetivos propostos e os resultados alcançados. Enumerou igualmente os
principais aspectos positivos da sua política, salientados pela CPI que
lhe examinou a atuação. Não deixou, uma vez mais, de discordar do regime
vigente no País. Completou:
–A Sudene, em seus vinte anos de atuação, fez muito pelo progresso
do Nordeste, e teria feito mais, se melhores condições de trabalho lhe
houvessem sido conferidas. Seu ideário, assim como o de cada um dos
eminentes homens públicos que a dirigiram, permanece válido após todos
esses anos, mas ocorreram, ao longo do tempo, modificações conjunturais
e políticas que acabaram por descaracterizar algumas de suas principais
atribuições, eliminando aos poucos a centralização necessária ao
correto desempenho de suas funções.
Cinco tópicos foram citados como contrários aos interesses da região
nordeste, o principal a transferência de recursos para o centro-sul
por meio do mercado de capitais. Num episódio isolado, uma infeliz declaração
de Wilson Braga, governador da Paraíba, chamando Minas Gerais
de “gigolô da economia brasileira”, profundamente indignou os
parlamentares, em particular a Genival, gerando veemente protesto.
– Realmente, o sr. Wilson Braga não faz honra ao estado da Paraíba.
Pretender desenvolver aquele clima de hostilidade a Minas Gerais no
conselho da Sudene, é na realidade malhar em ferro frio. Já houve tempo,
presidente, em que o “clube” dos governadores, reunido no Restaurante

302
Leite, no Recife, mantinha para com todos uma nítida prevenção em relação
à nossa participação no conselho da Sudene. Mas logo entenderam,
não só pelo fato de a Sudene ter sido criada pelo inesquecível Presidente
Juscelino Kubitschek de Oliveira, como também em homenagem às condições
de terreno, de clima, e à paisagem do Norte de Minas, que é tipicamente
nordestina, que nós realmente tínhamos o direito de nos
beneficiar dos recursos da Sudene. E agora agride o meu estado apenas
porque Tancredo Neves disse que o PDS é um partido nordestino. E o é
efetivamente, sem que isso signifique qualquer tipo de agressão ao Nordeste.
Porque, se perdemos a política no Rio Grande do Sul não foi em
função do PDS, mas em decorrência da nossa incompetência, da incompetência
das oposições em não aceitar o esquema do governo, partir para
uma vitória maciça com apenas um candidato das oposições.
Em decorrência, prometeu lutar para retirar Wilson Braga do Conselho
Deliberativo da Sudene, vergastando o governador paraibano por
empregar sua esposa no estado. Após, encerrou, em seu melhor estilo:
– Peço apenas que se respeite o meu estado, as lições de segurança,
de prudência e desenvolvimento que Minas Gerais, um estado mediterrâneo,
sempre deu ao Brasil inteiro. Que respeite os laços de profunda
ligação que, desde a revolução de 1930, o meu estado mantém com o pequenino
e glorioso estado da Paraíba que merecia, sim, ser governado
por um moço de autoridade moral, cultura e discernimento de Antônio
Mariz, e não pelo trêfego e inconsequente atual governador.
(DCN, 25/nov/82, pág. 8912).
Hoje comenta apenas:
– Quando eu era relator da Sudene, já apontava mazelas que recentemente
voltaram à tona e que levaram à extinção da Sudam e da mesma
Sudene. Meu relatório, contendo várias sugestões, foi aprovado pelo plenário.
Cerca de vinte deputados compunham a CPI, e as conclusões
foram encaminhadas ao Ministério do Desenvolvimento.

A SONHADA REFORMA AGRÁRIA

303
– Eu, desde criança, já ouvia falar na necessidade de uma reforma
agrária. Hoje, estupefato, assombrado pelo vulto que a coisa tomou, constato
que essa reforma ainda não se viabilizou e ameaça transformar-se
em um problema tenebroso, caso se confirmem os desdobramentos que
vem tendo. O quebra-cabeça fundiário do Brasil – do qual decorre o dilema
da reforma agrária – remonta a 1530, com a criação das capitanias
hereditárias e do sistema de sesmarias, que eram grandes glebas distribuídas
pela Coroa Portuguesa a quem, pagando com um sexto da produção,
se dispusesse cultivá-las. Aí nascia o latifúndio. Em 1822, com a
Independência, agravou-se o quadro: a ocupação, a tomada e posse de
terras, com a consequente troca de donos, passaram a ser feitas sob a lei
do mais forte, em meio a grande violência. Como na lavoura praticamente
só havia escravos, os conflitos unicamente envolviam proprietários
e grileiros apoiados por bandos armados. Mais gritantemente, a partir
de 1850, quando acabou o tráfico de escravos, o problema agrário se escancarou.
O império, sob pressão dos fazendeiros, resolveu mudar o regime
de propriedade. Até então, ocupava-se a terra à força e se pedia ao
imperador um título de posse. Dali em diante, com a ameaça de os escravos,
pela ocupação, virarem proprietários rurais, o regime passou a
ser o da compra, não mais o da posse. Só nove anos depois, em 1859, o
império tentou colocar ordem no campo, editando a Lei das Terras, com
um de seus dispositivos proibindo a ocupação de terras públicas, tornando
ilegais as posses de pequenos produtores. Foi além, determinando
que a aquisição de glebas só se faria com pagamento em dinheiro, o que
reforçou o poder dos latifundiários. A instauração da república em 1889,
um ano e meio após a libertação dos escravos, tampouco ajudou a melhorar
o processo de distribuição de terras. Mas o poder político continuou
nas mãos dos latifundiários, os temidos “coronéis” do interior. Na
época, os EEUU também discutiam a propriedade da terra. Só que, lá,

304
fizeram exatamente o contrário do que aqui se fez. Em vez de impedir o
acesso à terra, abriram o oeste do país a quem e para quem quisesse
ocupá-lo – só ficavam excluídos os senhores de escravos do sul. Criouse
com isso uma potência agrícola fundada numa sociedade de milhões
de proprietários, num mercado consumidor incomensuravelmente maior.
De quebra, numa cultura mais democrática. No Brasil, as desigualdades
no campo estão entre as maiores do mundo. Até a década passada, 1%
dos fazendeiros detinham metade das terras. Pouco mais de três milhões
e cem mil produtores rurais tinham menos de 3%. Atualmente, de um
lado, estão os movimentos de luta por terra; do outro, os produtores rurais
que não querem abrir mão de suas terras. Entre os dois, o governo. Quero
deixar claro que a questão de posse da terra sempre foi uma constante
no meu pensamento político-social. Entendo que a propriedade da terra
deve ser de quem nela trabalha. É conceito do “pedis ponere”, que legitima
a posse exatamente como o elemento mais importante no contexto
da propriedade. O que justifica tal conceito é a posse. A propriedade é a
posse, quem põe o pé é o posseiro, fica dono. A posse deve ser de quem
trabalha, é que tem importância mais relevante no contexto. O trabalhador
tem a posse, embora o proprietário tenha a escritura, o documento
público de compra e venda. Há proprietários que, com vigor, tornando
as terras produtivas, não devem ser incomodados. Exercem o bom exercício
da propriedade por meio da posse. Vale repetir, nos Estados Unidos
tais reformas se realizaram na segunda metade do século XIX, como
vemos consagrado nos faroestes, naquelas famosas corridas em que as
carroças chegavam, os pioneiros cravavam na terra um marco, e não sei
quantos acres em volta passavam a pertencer àquele que tinha feito a
ocupação. Já aqui no Brasil, até hoje se fala em reforma agrária, sem que
ela realmente tenha sido praticada e resolvida. Enquanto as cidades vão
se agigantando, o interior vai se apequenando, e está chegando um belo
dia em que não sei o que poderá acontecer. Já como deputado estadual,
tal estado de coisas me levou a pôr de lado as desavenças com o então
Governador Israel Pinheiro, e solicitar audiência para relatar aquele
drama. Doía-me profundamente verificar o que sofriam os posseiros das
terras abandonadas pelo grupo Matarazzo, no município de Bocaiuva,
distrito de Engenheiro Dolabela. Algo de realmente sério poderia acontecer.
Os camponeses estavam tão desesperados, que eu vira mulheres
incitando maridos a invadir propriedades privadas. Consequência de
vasta série de fatores, uma reforma agrária claramente se impunha. A politização
do caipira crescia a olhos vistos, levando a conflitos, cada vez

305
mais frequentes e intensos, ora entre o proprietário de terra e o posseiro,
às vezes entre o proprietário e o meeiro, já entre o proprietário e o morador.
Como não obtive resposta, o pedido foi intermediado pelo deputado
Bonifácio Andrada, o “Andradinha”, e a audiência conseguida. O
governador me recebeu, sem entretanto se mostrar suficientemente motivado
pela questão dos posseiros daquela região. Parecia haver, de sua
parte, um certo receio, que figurava até ter algum fundamento. É que o
Banco Denasa, do qual Juscelino era na época presidente de honra, teria
feito uma proposta para adquirir aquelas terras do Grupo Matarazzo, e o
Dr. Israel não queria muita mexida com aquilo. O nome do ex-presidente,
naquela ocasião, ainda incomodava muito, e o governador estava numa
verdadeira sinuca de bico, entre a cruz e a espada, uma situação extremamente
difícil, porque a Polícia Militar de Minas Gerais não aceitava
ser comandada por membros do Exército. Na realidade, e esta é minha
visão, as polícias militares nunca aceitaram essa história de serem comandadas
por oficiais do Exército. Parece-me até que, na ocasião, a brigada
gaúcha acedeu, mas a mineira nunca acatou isso.
Quando o retrato de Juscelino foi retirado de todas as repartições
públicas de Minas, não o foi da sala do comando geral da PMMG, o que
irritou profundamente o pessoal das forças armadas. Então, na medida
em que houvesse maior aproximação entre o ex-presidente e o Dr. Israel
Pinheiro, aquilo acirraria o ódio dos militares contra este. Um fato entretanto,
faço questão de ressaltar. No trato dessa questão, não posso deixar
de lembrar um posicionamento que me intrigou e me causou mesmo
estupefação, sobretudo pela grandeza que teve, e que me foi altamente
gratificante. O Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, que eu acreditava
fosse um “gorila” (como eram popularmente chamados os militares
que tomavam o poder por golpe ou defendiam sua prática), mostrou sensibilidade
social bastante para resolver o problema das Indústrias Malvina,
inclusive apoiando integralmente o relatório feito por autoridades
policiais que diziam que os Matarazzo, mormente eles, é que eram responsáveis
por aquele estado de coisas.
A propósito dessa questão de terras no Brasil, principalmente na
Amazônia Brasileira, é bom que se ressalte o acerto e a dignidade do general
Augusto Heleno, comandante das forças militares no Norte do País.
Fiel à tradição nacionalista do Exército Brasileiro, ele tem mostrado o
perigo da situação que estamos vivendo, com o questionamento atualíssimo
da soberania nacional em relação àquela área do nosso território.

306
Ora, ouvi dizer, já até mesmo li comentários em jornais e revistas, que
há muitos indígenas brasileiros que falam inglês mas não falam português.
Entendo isso de uma gravidade extraordinária, exacerbada com
esse negócio nebuloso das ONGs que lá proliferam, formadas majoritariamente
de americanos, ingleses e alemães, além de interessados menores.
Com efeito, na Amazônia se misturam inúmeras ONGs. Delas,
estima-se que existam ali operando cerca de cem mil, havendo denúncias
de que algumas se envolvem com tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
Ali, raras organizações internacionais de mérito reconhecido em
defesa da ecologia e dos direitos humanos se misturam com inúmeras
entidades inidôneas. Estas, com finalidade mais que incerta e até oculta,
certamente atrás das riquezas e da biodiversidade, de olho nas incomensuráveis
riquezas da região, em cujos rios estão 21% da água doce vital
ao homem. A ONU, aliás, avalia que o século XXI será marcado por graves
conflitos entre as nações, com origem em uma única causa, a escassez
de água potável. No momento constata-se o crescimento do interesse estrangeiro
pelas terras brasileiras, devido à estabilidade econômica do País
e à necessidade mundial de alimentos e biocombustíveis. Tão forte é o
questionamento internacional quanto à soberania brasileira na Amazônia,
que um jornal inglês, The Independent, chegou ao ponto de publicar:
“Uma coisa está clara. Essa parte do Brasil é muito importante para ser
deixada com os brasileiros”.
De se ver que, conforme mapeamento recém-concluído pelo Incra
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), 14% da Amazônia,
que equivalem aos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná
somados ou ao dobro do tamanho da Alemanha, são “de ninguém”. São
710,2 mil km2 de terras públicas, mas o órgão não sabe dizer se elas
estão nas mãos de posseiros ou de grileiros, não sabe o que está sendo
produzido ou destruído naquele patrimônio. Mais: após dez anos de esforços
para cadastrar as propriedades privadas da região, as terras que tiveram
seus papéis validados pelo Incra somam apenas 4% da Amazônia.
Em outras palavras, o estado brasileiro simplesmente ignora o que se
passa em terras da Amazônia. Os naturalistas von Humboldt, alemão, e
Goujoud Bonpland, francês, denominaram Hileia Amazônica àquela região,
ao mesmo tempo criando a ideia de uma total diferenciação com o
resto do mundo. No momento, em países como a França, por exemplo,
muito se questiona a volta da tal Hileia. Recentemente, entrou na discussão
um projeto reconhecendo aquela área como de resguardo internacional.
Ora, como bem ressaltou o ex-presidente Itamar Franco, tudo isso

307
faz lembrar aquela tentativa de desnacionalização, duramente combatida
por Arthur Bernardes com seu espírito acentuadamente nacionalista, e
de tal maneira que sepultamos a ideia no nascedouro.
Genival volta a suas considerações:
– Parece que querem agora tentar sua reedição, felizmente combatida
com tenacidade por nacionalistas, dentre os quais o citado ex-presidente.
É bom que eu diga isso também porque, além de nacionalista, sou
tido como antimilitarista, o que nunca fui. Sempre respeitei as funções
do Exército Brasileiro, de nossas forças armadas, principalmente por
causa do nacionalismo, do qual elas sempre foram o porta-voz mais eloquente.
Sempre citei aliás, nas gravações que faço para este livro e nas
conversas que tenho com aqueles que ajudaram a fazê-lo, o posicionamento
notável do general Heleno, defensor intransigente do monopólio
estatal do petróleo, como também a postura do Clube Militar. Então, o
que eu sempre combati, foram os militares fascistas, autoritários, os que
deram o golpe militar de primeiro de abril, aqueles que trouxeram a tortura
e o autoritarismo que chamo de vertical, como se fosse possível um
dominó a prumo, em que o que está por cima bate no cocuruto do que
lhe está por baixo, e assim por diante. O general começa no coronel, que
vai em frente, até que a última porrada chegue no soldado. Não tendo
mais em quem bater, o soldado bate em todos nós, como aconteceu nesse
Brasil durante vinte e um anos, com essa vergonhosa ditadura. Isso eu
combati. Daí repetir, com Oswald Andrade, que prefiro “baioneta calada
a baioneta falada”. Mas deixo claro que sempre respeitei as forças armadas,
principalmente pelo seu claro espírito nacionalista, visto por muita
gente como obsoleto, como se fora possível ser antiquado o regime de
amor à pátria. E nacionalismo nada mais é do que amor à pátria, como
recentemente demonstrado pelo general Heleno, comandante da guarnição
militar da Amazônia.

GOVERNADORES/INTERVENTORES MINEIROS PÓS-REVOLUÇÃO

Governadores/interventores

mineiros pós-revolução

308
Quando me recebeu em audiência, o Dr. Israel Pinheiro vivia numa
verdadeira corda bamba. Adormecia governador do estado sem saber se
acordaria governador. Conheço alguns detalhes dessa posição delicada,
porque fui colega de turma e sou parente do comandante da força pública
na época, o coronel José Cunha Ortiga, filho da Alzira Cunha, prima e
conterrânea de minha mãe. O José Ortiga, que terminou a Faculdade de
Direito em 1958, foi companheiro dos mais queridos e estimados e está
vivo até hoje, graças a Deus. Anos depois, quando a coisa se aquietou e
eu deixei de ser aquele deputado combativo, algumas vezes rixento, brigando
com o pessoal que usava farda, o já reformado coronel Ortiga me
explicou as várias passagens de dificuldade do governo do Dr. Israel, por
um triz não deposto pelos militares. Acrescento que o Ortiga quase perdeu
os seus direitos políticos por causa da posição extremamente viril
que adotou, em defesa do governador e da posse do vice-presidente Pedro
Aleixo. Quando do falecimento do Costa e Silva, o coronel participou
de pelo menos uma das várias reuniões realizadas na casa do Dr. José
Maria Alckmim, posicionando-se no sentido de que o Dr. Pedro Aleixo
deveria vir para Minas e aqui se empossar, com a cobertura ostensiva da
PMMG. Na ocasião eu, em meu radicalismo, nutria pelo Dr. Israel profunda
antipatia, devidamente retribuída, diga-se a bem da verdade. Tal
sentimento decorria de ele haver sido eleito em substituição a nosso candidato,
Sebastião Paes de Almeida, popularmente conhecido por Tião
Medonho, numa campanha que fizemos em apenas duas semanas. Vale
recordar que o Sebastião, por sinal meu chegado e saudoso amigo, foi
cassado numa torpe manobra da UDN junto ao Tribunal Superior Eleitoral,
o que nos deu apenas dezessete dias para fazer a campanha do candidato
que entrou em substituição. E eu, inteira e absolutamente
inflexível, entendia que o Dr. Israel deveria se filiar ao MDB, não à
Arena, que era representada pela UDN, pelo PSD e partes do PR, além

309
de outros setores reacionários. Achava uma traição dele ter se filiado à
Arena, quando foi eleito por nós, que, com JK à frente, viríamos a constituir
o MBD. Então eu, muito jovem, fortemente instado por JK e Sebastião
Paes de Almeida, fiz uma campanha tremenda, muito grande,
pelo Dr. Israel Pinheiro. E ele, dou a mão à palmatória, foi um grande
governador, um homem probo, honesto, até mesmo inventivo, já que ajudou
a criar as sublegendas, implantando o chamado “poder de mando”.
A sublegenda que mais se destacava nas eleições municipais é que tinha
o mando das decisões administrativas do governo do estado. Acresce esclarecer
que não tivesse ele feito aquela opção, não teria governado
Minas Gerais em tempo nenhum, nem posse teria tomado. Foi empossado
dois ou três dias antes de editado o AI-2. Mas, definitivamente, não
teria governado, como também o Dr. Negrão de Lima não teria governado
o estado do Rio de Janeiro, naquela época Guanabara, se tivesse
optado, como tantos desejaram, pelo MDB. Mas, repetia sempre o Antônio
Carlos Andrada, não o Magalhães Pinto, conforme comumente se
propala e acredita, a política é como nuvem, muda a cada momento. Com
ela, os nomes, os fatos, a interpretação dos fatos e a própria história. Porque
daí para a frente, a partir da eleição deles até o término dos mandatos,
o que tivemos no Brasil foram meros interventores federais nos estados.
Aqui em Minas, o primeiro desses interventores foi o Rondon Pacheco,
figura notável do ponto de vista administrativo. Outro foi Aureliano Chaves,
também um bom governante. O terceiro foi Francelino Pereira, com
quem eu tinha uma relação muito remota, basicamente de breves diálogos,
às vezes de meros cumprimentos, já que por ele nunca tive grandes
amores. Faço aqui absoluta questão de ressaltar que todos os três foram
homens de ilibado comportamento e irretocável trato com a coisa pública.
Até aquela ocasião felizmente, se posso assim dizer, não existia
esse negócio de meter a mão no dinheiro público. Apesar disso, embora
esse reconhecimento, reitero, faço questão de ressaltar, que todos os três
não deixaram de ser meros interventores do poder central em Minas Gerais,
como o foram também os demais governantes dos outros estados
durante o regime militar. Somente Israel e Negrão de Lima foram eleitos
pelo voto direto. O passar dos anos me fez compreender os motivos que
levaram o Dr. Israel a se filiar ao partido da situação, apesar de ter sido
eleito por nós, oposicionistas. Foi muito difícil, por tudo isso, marcar a
audiência a que me referi linhas atrás, afinal conseguida por intermédio
do deputado Bonifácio Andrada.

COMISSÕES DE TRABALHO

310
Foi intensa a atividade de Genival na Câmara Federal, com uma dedicação
só não exclusiva em decorrência do exercício da advocacia que,
embora diminuído, foi mantido durante a vida pública. Nos oito anos de
mandato, deu muito de si à Casa, especialmente pela participação nas diversas
comissões, mormente na de Educação e Cultura. Ao mesmo tempo
foi membro de outras, ora como titular – na Comissão Especial sobre o
Vale do São Francisco, ora como suplente, na Comissão de Legislação
Social.
– Eu participava muito das comissões da Câmara, e sempre ficava
como relator. Eu mesmo fazia meus relatórios, não chamava assessor
para fazer. Muitas e muitas noites passei fazendo relatórios e os colegas
até me criticavam: “você tem uma boa assessoria na Câmara, por que
não a usa?”. Mas para mim isso não funciona, sempre fui muito absorvente
nas minhas coisas, tanto quanto absorvido por elas. Faço minha
petição até hoje a caneta, passo para a secretária, quando ela me devolve,
revejo tudo. Sempre fui muito personalista com as minhas coisas. O que
assinei foi realmente coisa que fiz.
Na área da educação apresentou projeto de lei autorizando o Poder
Executivo a federalizar a Universidade de Montes Claros. O projeto foi
aprovado e, graças a isso, pode o governo federal, a qualquer momento,
criar uma universidade na cidade. A Unimontes, antiga Fundação Universitária
do Norte de Minas – FUNM –, foi estadualizada pela Constituição
Mineira de 1989. Outro projeto de lei nessa área autorizava o
poder executivo a instituir a Fundação Federal de Itajubá, em Minas. Na
área social, cabe mencionar os seguintes projetos de lei:
– O que dava nova redação ao artigo que dispunha sobre o levantamento
do saldo da conta vinculada ao FGTS pelo empregado, para aqui-

311
sição de casa própria. (Artigo 10 da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de
1966).
(DCN, 19/mar/77, págs. 1072/73).
– O que instituía junto ao BNH fundo especial destinado a cobrir
as prestações em atraso dos mutuários enfermos ou desempregados.
(DCN, 12/ago/78 – pág. 6536).
– O que isentava do imposto de renda os proventos da inatividade;
o que autorizava às pessoas físicas a abaterem até cinco por cento da
renda bruta a título de gastos com medicamentos, independentemente de
comprovação.
(DCN, 15/ago/78, pág. 6575).