segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A DERROTA DE 74 E A LEI FALCÃO

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A derrota de 74 levou o governo a exigir da agência central do SNI
(Serviço Nacional de Informações), minuciosa análise dos resultados.
Para saber das causas, foram esmiuçados mapas eleitorais, informações
de cada estado, votação de cada candidato – sem distinção de partido –,
esquemas de comportamento dos eleitores e pesquisas de opinião. Reuniram-
se também dossiês dos concorrentes e de seu desempenho nas eleições.
Era mister descobrir o porquê da derrota, do fiasco do regime.
Assim, o pleito municipal de novembro de 76 foi antecedido de discussões
sobre o sistema eleitoral vigente e de suas normas. Concluiu-se que
o acesso ao rádio e à televisão contribuíra consideravelmente para a vitória
das oposições em 74. Mantidas as regras, as mesmas oposições conquistariam
agora muito mais cadeiras nas eleições municipais.
Projetava-se uma derrota indesejável, porque desmoralizante, acachapante
do orgulho dos militares. Pior, a oposição seria – inevitavelmente –
maioria no Congresso nacional e em muitas assembleias estaduais nas
eleições de 78. Do ponto de vista da ditadura, inaceitável. Alguma coisa,
fosse o que fosse, teria que ser feita para impedir o que representava (para
eles) verdadeira tragédia. Quatro meses antes das eleições municipais, o
governo Geisel editou a lei no 6.639, inspirada pelo Ministro da Justiça,
Armando Falcão. Levou seu nome, passando a conhecida como “Lei Falcão”.
Vergonhosa, claramente tendenciosa, determinava que, durante a
campanha, os partidos se limitariam, no rádio, a apresentar apenas o
nome, número e currículo dos candidatos. Na televisão se permitiriam
fotografias, mas se proibia divulgar ideias dos candidatos ou plataformas
dos partidos, impedindo, com total despudor, que a oposição cativasse o
eleitorado. A propaganda que se autorizou, a única permitida pois, transformou-
se em monótona sucessão de nomes, números, fotos e currículos
de centenas de candidatos de ambos os partidos, num amordaçamento
propositadamente imbecilizado. Na lembrança de Genival:

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– Quando houve a Lei Falcão, aquela que transformava os candidatos
em bonecos mudos frente à televisão, sem poder falar, sem nada,
foi até engraçado. A imprensa de Brasília a gozava muito, chamava-a de
Lei Zoológica. Tinha sido criada pelo Falcão, o presidente da comissão
mista era eu, um Tourinho, e o relator da matéria, um Passarinho, o Jarbas.
Esse, apesar de em seu livro de memórias mostrar algumas rebeldias
contra o governo federal – e, diga-se de passagem, o Jarbas é um homem
talentoso –, a grande verdade é que, nos acontecimentos importantes, ele
surgia dócil ao poder central, sempre favorável aos desígnios do Armando
Falcão. Lutei, na condição de presidente, para ver se emendava a
lei, não encontrava por onde. Apesar disso, porfiei para ver se abria uma
brecha qualquer e, nem bem sei como, consegui introduzir no projeto um
dispositivo, um parágrafo ou artigo, coisa assim, que permitia se fizesse
a propaganda política dos partidos a que pertenciam os candidatos, contando
sua história e como nasceram. Isso aí poderia se falar, podia ser
contado. Sucede que nós, do MDB, tínhamos uma saga, a nossa história
era uma verdadeira saga, já a história da Arena era uma história de absoluta
submissão aos militares. Então pudemos nos aproveitar dessa saga,
contá-la e cantá-la, usufruir dela, e a Arena não tinha como. A história
da Arena foi uma pixotada, uma história de absoluta submissão aos militares,
apenas se cumpriu uma ordem. Ulysses Guimarães, quando lhe
perguntaram o que pensava da Arena, secamente, respondeu: “Que acho
da Arena? Não acho, pois a Arena não é partido, é papel carbono, não é
voz, é eco, é vaca de presépio, do serviçal e eterno ‘sim senhor’.”
Aliás me recordo muito bem de que, presidindo a comissão que
tinha, como já disse, o Jarbas Passarinho (com quem eu mantinha boa
convivência) como relator, ele por vezes percebia (e fingia não perceber)
que eu tentava modificar a mensagem presidencial. Alguma coisa consegui.
Então, esse negócio de história do partido, eu é que logrei introduzir
na mensagem presidencial. Na ocasião o Passarinho olhou, sorriu
para mim, e falou: vá lá, vá lá... Dá pra passar. Foi quando prontamente
intuí que ele pressentira minha intenção. Por benevolência talvez, deixou
passar aquilo, e eu podia perceber que ele, embora não deixando transparecer,
tinha entendido o que eu intentava. Como não se vislumbravam
resultados a longo prazo, ninguém poderia predizê-los. Na verdade, eu
pensava em resultados de curto prazo, mas o Jarbas parecia não acreditar
nisso. Tudo me passou deveras despercebido durante longo tempo, achei
que era passado e desvivido. Foi quando, há alguns anos, li um livro
muito bom, muito instrutivo, chamado Notícias do Planalto, do jornalista

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paulista Mário Kotscho, demonstrando que eles também enxergaram essa
brecha que consegui introduzir na Lei Falcão e, em cima dela, tinham
aproveitado muito para fazer a campanha do Franco Montoro, contando
a saga que foi a fundação do MDB paulista, a história do partido, como
ele foi constituído, as dificuldades, as cassações. Segundo o autor do
livro, essa brecha ajudou muito na eleição do Montoro. Fiquei muito envaidecido
e brinquei comigo mesmo: falha coisa nenhuma, dedo meu na
lei naquela ocasião. Mas para isso, ainda uma vez ressalto, contei com a
cumplicidade do Jarbas, que fingiu não entender o que eu queria, talvez
intimamente não acreditando muito na ideia. Recordo-me ainda de que
em Minas, na eleição do Tancredo, tive oportunidade, várias vezes também,
de aproveitar aquela brecha na lei para contar a saga nossa, da fundação
do MDB mineiro. Bem no fundo, creio que para cooptar a opinião
do Jarbas, contei com certa dose de antipatia dele para com o Armando
Falcão, que a tudo fiscalizava, duvidando até do relator que era, como
disse, o próprio Passarinho. O intuito da censura era claramente impedir
que o eleitor tivesse amplas informações, o que seria ruinoso para a
Arena. Calculava-se que, na época, a leitura dos maiores jornais do País
atingia a um universo de vinte milhões de pessoas, o rádio chegava aos
oitenta e cinco milhões e a televisão, em torno de quarenta e cinco milhões.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – proibiu também a afixação

em lugares públicos de qualquer outro material de propaganda.

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